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Estou com 57 anos e quatro filhos, três casados e uma estudando em Curitiba, ou seja, tenho três netos na rampa de lançamento e mais um no campo das possibilidades. E, como ser humano é aprender, espero ter aprendido algumas coisas nessas décadas todas e prometo o seguinte.

Não vou fazer caretas para meus netos no berço, nem falar com eles em voz de debilóide.

Vou aprender a trocar fraldas, uma falha machista que espero corrigir antes tarde que nunca.

Vou agachar sempre que falar com eles pequenos, como fazem os índios e os sábios.

Vou lhes contar histórias desde criancinhas, principalmente antes de dormirem, na penumbra, com uma vela ou abajur projetando sombras mágicas nas paredes, a tomarem as formas de personagens e mestres (serão histórias sem monstros, mas com mestres).

Seus pais ouviram centenas de vezes (porque pediam) a história do gato xadrez que corria o mundo em viagens malucas e a história do cavalinho que não comia cenoura, por isso não enxergava no escuro e uma noite caiu num buracão. Recentemente, perguntei a eles se lembram da história do cavalinho, não, não lembram, mas não esquecem das viagens do gato maluco, talvez porque com o gato eu não quisesse ensinar nada, e com o cavalinho eu queria ensinar a gostar de cenouras...

Depois passei a lher ler histórias antes de dormirem, e acabaram gostando de livros, garantindo viagens na cabeça, e todos hoje comem cenouras sem medo de cair em buracos.

Não vou exigir que comam isso ou aquilo, simplesmente vou comer de tudo com eles, saboreando as verduras, fechando os olhos para o aroma dos legumes, me labuzando com as frutas. Se quiserem dispensar essas gostosuras, será problema deles. Eu mesmo fiz isso, até que fui expulso do colégio, fui morar em hotel estudando em outra cidade e passei o comer tudo que vinha na mesa.

Então, quando quiserem ir estudar fora, fazer intercâmbio, viajar, se eu puder ajudar, vou dar adeus e boa viagem.

Não vou proteger demais, nem fechar os olhos. Por exemplo: os quatro filhos aprenderam a nadar sozinhos em piscina, mas nas poucas vezes em que descuidei, um quase se afogou, outra se machucou e outro arranjou briga feia. E eu pensava que uma nunca tinha tido problema em piscina, até que me confessou outro dia:

– Num dia em que você foi cuidar do churrasco, me afoguei, o salva-vidas me tirou da água e pedi pra ele não te contar...

Vou ficar de olho, mas não neurótico: não dá para olhar todo o tempo, então vou confiar. E elogiar tudo que fizerem de certo, em vez de criticar tudo que fizerem de errado, assim o espaço do certo, estimulado, irá aumentando, e o espaço do errado diminuindo, como aconteceu com seus pais. Num dia, cuspiam na sopa pra respingar na família, na típica rebeldia adolescente. Eu elogiava: filho, que revolta bonita, Jesus também expulsou os vendilhões do Templo, sabia? No dia seguinte, tomavam a sopa com gosto.

Não vou querer que sejam isso ou aquilo, mas vou apoiar todas suas floradas. Floriu esporte? Tome a bola, o taco, a bicicleta, o patim, seja o que for. Floriu desenho, música, dança? Vou adubar, quem sabe dê frutos. Se não der, já valeu a diversão, a humanização, mesmo mato só dá em terra fértil, e um dia a bela árvore da vocação se ergue na capoeira.

Também não vou implicar com suas roupas, cabelos e adereços, como os piercings. Usem se quiserem, sem excessos, e para isso vou dizer apenas:

– Todo excesso é feio. Rir é tão bom, mas quem ri demais é bobo. E tatuagem, se depois você achar bobo, não sai mais. Fale com velhos tatuados e comprove.

Se abraçarem ideologias, vou lembrar de meus amigos comunistas. Os mais fanáticos morreram pela causa, que depois se revelou fracassada. Os mais sensatos superaram a ideologica pela cidadania. Os espertos tornaram-se assessores de políticos mais espertos ainda...

– Mas acreditem no que quiserem, só não queiram obrigar ninguém a acreditar também, e respeitem as crenças dos outros, ou vão brigar com seu avô democrata!

Mas, sobretudo, não vou dizer a eles que no meu tempo era melhor. Vou dizer que o melhor tempo é sempre o presente, o único tempo possível da eternidade.

Vou brigar com eles, sim, se não respeitarem o amor. Levei quarenta anos para respeitar as pessoas que me amam, e me responsabilizar por aqueles a quem cativei, como diz o Pequeno Príncipe.

Amem, sim, mas amem bem, amem com respeito, amem indo fundo, que só com raiz o amor flore e dá fruto, como são vocês frutos do amor.

Ou, conforme resumiu um poeta na mais curta das preces: amem, amém.

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