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Ano Novo, te prometo me renovar, começando por olhar com gratidão teu primeiro nascente e com mais gratidão teu primeiro poente.

Prometo prestar atenção nas coincidências, por serem divinas, e não desprezar os acasos, por só não serem importantes para quem não presta atenção.

Prometo olhar também com atenção o lento desfile da lesma no chão, para aprender que até a lentidão deve ter sua hora; e contemplar o desenho circular dos urubus no alto céu, para compreender melhor as coisas cá do chão; e observar as caprichosas formas da menor das flores, para apreciar mais os jardins.

Prometo beber cada gole como se fosse (pois não é sempre?) o último, principalmente se for de água.

Prometo mastigar como quem ora a mais alegre e redentora das orações.

Prometo respirar como se custasse caro.

Prometo transpirar como rei nu mas vestido do melhor tecido, esta pele que herdei de tantos antepassados.

Prometo deixar o vento pentear mais os meus cabelos.

Prometo não fugir tanto da chuva.

Prometo parar e respirar fundo sempre que sentir cheiro de florada.

Prometo respeitar e ser amável com todas as pessoas, gatos e cachorros, inclusive as crianças e os sarnentos.

Prometo provar o que não conheço, e não desgostar ou rejeitar antes de conhecer, seja coisa, arte ou gente.

Prometo não espalhar boatos, mantendo limpa minha alma, nem alimentar carrapatos, mantendo limpa minha casa.

Prometo alimentar a vaidade apenas com aquele mínimo necessário para não perder a auto-estima.

Prometo perdoar não como quem esquece, mas como quem compreende, para assim perdoar realmente.

Prometo cuidar das oportunidades como cuido das roupas e dos sapatos.

Prometo conversar com as plantas para que também tenham prazer na nossa convivência.

Prometo procurar soluções nos problemas e caminhos nos imprevistos.

Prometo não ligar para detalhes que não dependem de mim, e não me desligar dos detalhes que dependem de mim.

Prometo elogiar mais o que houver para ser elogiado, e não reclamar de nada.

Prometo sorrir mesmo zangado, para o sorriso varrer a zanga, e dizer obrigado principalmente se prejudicado.

Prometo manter boa aparência e melhor essência.

Prometo cozinhar como quem celebra a missa do fogo com as panelas.

Prometo transformar a faxina em meditação.

Prometo gastar menos quando ganhar mais dinheiro, investindo para não ter de ganhar mais dinheiro.

Prometo não cultivar supérfluos nem sacralizar necessidades.

Prometo encarar a viagem não como destino, mas como itinerário.

Prometo apreciar mais o pouco e não me empanturrar com o muito.

Prometo, por mais complicado que seja, perseguir sempre a simplicidade.

Prometo, mesmo cercado de gente amordaçada e empetrecida, cantar e dançar quando sentir vontade.

Prometo, qualquer que seja a moda, vestir o que o coração mandar.

Prometo não fazer promessas que não possa cumprir, e me empenhar para cumprir estas, que dependem mais de fé que de esforço, pedem coração sincero em vez de dinheiro.

E, para manter o coração saudável, também prometo deixar a poesia me comandar sempre que quiser.

Então, Ano Novo, me concede a graça de beber quando tiver sede; a glória de respirar enquanto existir ar; no maior cansaço, um colo de rede; e principalmente, sem tédio nem medo, o milagre de ser medido pela mesma régua que o infinito mede; e sempre desabrochar mesmo entre paredes.

Finalmente, me permita agora brindar com um gole de saliva, engolido como hóstia da religião mais viva, esta de crer que é preciso, é possível e gostoso melhorar.

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