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Nilson Monteiro está de chácara nova e me pediu por e-mail uma dica sobre aducação, que já lhe dei, mas aqui vão outras:

Não deixe de adubar, Nilson, senão é como criar filho sem exemplos nem afeto; mas também não adube demais, senão é como criar filho sem limites e com super-proteção. No primeiro caso, a planta cresce mirrada e quase não dá flor ou fruto. No segundo caso, cresce demais e também dá poucos frutos, em galhos muito altos...

Não plante só árvores de fruta, plante flores também, porque a gente não vive só de comer, né, e as flores, com suas cores e aromas, são alimentos para o espírito. Volta e meia me perguntam se já fui assaltado na chácara, e digo que já, muitas vezes: assaltado por floradas – de murta, de jasmim, laranjeira, os mais doces assaltos.

Também sou espionado – pelos bem-te-vis, entre muitos passarinhos com quem convivo debaixo da grande gaiola azul do céu. Para isso, não colha todas as frutas, deixe também para eles, que agradecem cantando.

Lembre-se que a chácara não está abaixo do céu, está entre o céu e as profundezas da terra. Então não queime folhas, deixe tudo retornar à terra. As minhocas agradecerão pela umidade e frescor, continuando a fertilizar o solo gratuitamente, para que você tenha mais flores, frutos e passarinhos.

Mas tome cuidado com os excessos, como em tudo na vida. Primaveras, por exemplo, são plantas de grandes floradas, mas também crescem como que, e vão se espalhando, cobrindo muros e árvores, casa, o que estiver ao alcance de seu galhos trepadores – e espinhentos. Depois, é um custo podar, como qualquer vício na vida. Eu quis ter primaveras de todas as cores, agora elas ameaçam me tomar a chácara...

Não alimente ilusões. Nem tudo que plantamos vinga. Nem tudo que vinga flore. Nem tudo que flore frutifica. Mas pode-se insistir e treinar a paciência. Minhas jabuticabeiras já tinham quase década, estão indo para a segunda década, e só recentemente começaram a frutificar. Então plante para o futuro, não para si mesmo, e tudo que vier será benvindo no tempo em que vier.

Pela lichia, por exemplo, esperei sete anos como Jacó, e nenhuma flor! Aí deu sete lichias no oitavo ano. No ano passado, deu umas três mil lichias! Enjoei de comer lichia, cansei de colher lichia, distribuir lichia! Mas este ano não deu nenhuma; lichia é assim. Como os filhos: não adianta a gente cobrar desempenho contra a natureza deles ou fora do seu tempo. A função do chacareiro é plantar bem, adubar bem e cuidar; frutificar é com eles.

E cuide das ferramentas, até porque pegará afeto por elas. Não deixe que se percam, e é tão fácil perder ferramentas, como se perde amigos e mesmo familiares quando trabalhamos demais... No começo aqui na chácara, eu insistia em continuar lidando mesmo quando começava a escurecer, e aí escurecia, eu perdia ferramentas na escuridão. Algumas só achava meses ou ano depois, enferrujadas...

Agora as coloco de volta sempre no mesmo lugar, e só trabalho com elas enquanto estou tendo prazer, e devagar. Fazer devagar é o segredo não só de fazer bem feito mas, também, fazer com gosto, como comer com gosto é comer devagar.

Você vai descobrir sabores, cheiros, sensações, mas sobretudo ritmo, o ritmo das estações, das florações, do ciclo anual de cada planta que, plantada pela gente, torna-se nossa extensão verde, filha que nunca pára de crescer e todo ano se pinta florindo.

Como digo no soneto, no livro Gaiola Aberta: Podar de novo parreiras e figos / entendendo que o tempo não é amigo / nem inimigo: só teu companheiro / mais presente, mais leal, mais sincero.

Além de um conhecimento mais gostoso do tempo, a chácara também espiritualiza, se a gente trabalha a chácara não para (ela) dar frutos, mas para (a gente) dar frutos... Dando frutos, exercita-se a arte de dar sem esperar receber, que é a melhor forma de orar. Lembro o dia em que, deixando um imenso cacho de bananas na pousada dos índios, um me perguntou quem era eu, candidato a que? Candidato a nada, falei, e ele falou "obrigado, Nada", com o sorriso maroto de índio. Foi meu melhor pagamento até agora, rivalizando com o menino que, quando me viu chegar à creche com mais uma carga de abacates, bateu palmas e gritou: – Chegô o hómi do bacati!

Que a chácara te faça bem, Nilson, como fez a mim e o poema testemunha: Podas a galharia dos impulsos / orientas as ramas dos afetos / regas as tuas mudas de esperança. / Da tarde que tomba tomas o pulso / e o sol morrendo de veias abertas / te entrega mais uma noite criança.

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