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Tiamo quando tropeço em teu sapato no quarto escuro, e me pergunto porque sempre tem sapato teu no meu caminho, aí sempre penso também que deve ser para lembrar quanto devo a você, que me desviou de tantos descaminhos, e agradeço ao tropeço.

Tiamo quando você mais uma vez perde a chave do carro, e me pergunta se vi a chave, e como sempre digo que não sei, pois é a tua chave do teu carro, e você zanza para lá e para cá procurando, e eu evito dizer que você devia colocar a chave sempre no mesmo lugar, por exemplo pendurada na alça da bolsa, aí não perderia tanto tempo procurando todo dia, às vezes várias vezes por dia, e enquanto isso você continua procurando, então começo a dizer que, se você colocasse a chave sempre no mesmo lugar... Mas você diz que quem não ajuda não deve atrapalhar, e calo a boca, penalizado de ver pessoa tão inteligente se desgastar tanto tantas vezes por causa de uma bobagem, mas aí você acha a chave e me beija antes de desfilar triunfalmente até o carro, e acena e se vai, feliz, e eu penso que também deve ser por isso que tiamo, fênix sempre renascendo, e esquecer a chave serve para isso.

Tiamo quando você, de repente, diz que vamos viajar, como se eu fosse apenas um acessório que você levasse a tiracolo, e eu nem pergunto para onde, digo que estarei muito ocupado com isso ou aquilo, mas você já começa a reservar hotéis ou comprar passagens, e eu fico bravo feito criança em banho frio, mas você nem tium. Digo que não vou, mas você diz que me conhece, quantas vezes já refuguei viagem e, depois, voltei feliz e agradecido, e é por isso que tiamo também, mas não pense que será diferente da próxima vez, é como sempre te digo, tenho uma reputação a manter comigo mesmo, e que você chama de teimosia.

Tiamo ainda por me dar camisas de que não gosto inicialmente e depois se tornam preferidas.

Tiamo igualmente por me fazer gostar de serralha cozida, quem diria, cozinhar uma verdura me parecia bobice, argumentei que se perdem a crocância e o frescor, sacrificando a qualidade nutritiva, mas você comia com tanto gosto que um dia provei e gostei, símbolo de tantas coisas que com você aprendi a gostar.

E tiamei mais desde você contar que come serralha cozida desde a meninice, quando morava na roça e era comum o povo roceiro comer essa verdura que dava nos cafezais, daí me contando como pegou em enxada desde menina, começou a trabalhar como ajudante de açougue aos treze e, aos dezesseis como comerciária, chegando a gerente já aos dezoito; e eu, puxa, que só comecei a trabalhar aos dezoito, e que gosto de contar histórias, me sinto grato por Deus me dar alguém com tanta história.

Lembro também que tiamo sempre que você tem pesadelos, que cessam quando passo a mão na tua cabeça e, no dia seguinte, quando pergunto se você lembra qual era o pesadelo, você pergunta: que pesadelo?

Tiamo quando te vejo contar historinhas para os netos, os três na cama, o abajur do lado, eles com os olhinhos acesos olhando a escuridão povoada de personagens e bichos e encantamento.

Tiamo quando, conversando com alguém, dou algum fora por falar demais, como sempre, e você apenas me olha sorrindo e sei que falei demais, e me calo, e você fala por mim, sempre sorrindo, como quem fala menos com a cabeça e mais com a alma.

Tiamo porque, sempre que brinco dizendo que estou começando a gostar de você, você sempre responde do mesmo jeito: – Que bom, né, seria chato se só eu gostasse de mim, mas você eu amo...

E tiamo porque, com você e para você, criei o verbo tiamar.

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