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Estava eu no meu apartamento em Paris, no 221, da Rue Boulanger, quando bateram à porta. Era um inglês, alto, magro, queixudo que me disse: "Preciso de sua ajuda, vai haver uma degustação às cegas na Academie du Vin, da qual tenho interesse em participar e gostaria de que você me acompanhasse.

Os participantes da prova eram cinco, nós dois e três franceses.

Terminada a prova, falou M. Kerdiles, que afirmou que o primeiro vinho era um Côtes-du-Rhône 98, Syrah dominante. O segundo, um Côte-Rôtie 97; o terceiro, o Bandol Château de Vanniéres safra 96, o quarto vinho, um Cabernet do Languedoc; e o último, um Bordeaux com aromas mofados.

O degustador seguinte, M. Abgrall, concordou que o quinto vinho era um Bordeaux miserável. O Bandol, entretanto, era Domaine d’Ott e não um Vannières. Quanto ao primeiro vinho, era um Côtes-du-Ventoux, safra apenas mediana, com uma lamentável chaptalização. O segundo vinho era um Hermitage, magnífico, Petite Chapelle 95.

O terceiro francês, M. Duquennoy, para decepção geral, disse apenas que todos os vinhos eram cinco "braves rouges".

Neste momento, a reunião foi interrompida para um "cofibriqué". Na volta, meu amigo inglês tomou a palavra:

"O primeiro vinho, aromas de trufas e menta, é um Merlot 1998, Domaine du Duc; o segundo, Syrah, Grenache, Carignan, Cabernet, aromas do Mediterrâneo, é o Clos des Conneries 96. O terceiro, um Syrah com aromas ainda indefinidos, safra recente do Mas de Chimières. Finalmente, o quarto vinho é um Cinsault com Cabernet 90, magnífico bouquet, longo acabamento, Domaine Je m’en Fous. O quinto vinho é realmente um Bordeaux Ordinaire, aliás "tres ordinaire".

Com exceção do Bordeaux, todos são do Languedoc produzidos por M. Duquennoy, nosso companheiro de degustação aqui presente."

Da surpresa nasceu uma ovação, quando M. Duquennoy aquiesceu aprovando.

Na rua, cedendo a meus apelos, ele explicou: "Quando percebi que M. Duquennoy era um produtor, aproveitei o computador da biblioteca e entrei no site. Como ele só tinha quatro vinhos, deduzi que um dos vinhos não era dele, e como ninguém é idiota de levar um vinho melhor que os seus, só podia ser o Bordeaux, que era o pior. Os demais, usando as fichas técnicas, foram identificados pelos aromas, que é minha especialidade."

Retruquei: você já disse que pelas unhas, dedos, roupa e sotaque, pode-se identificar uma pessoa, mas M. Duquennoy é um homem de mão finas, sotaque parisiense, loiro e alto, típico do norte da França, e não usava o paletó de tweed com cotovelos de couro. Como é que você descobriu que ele era um "vigneron"?

"Elementar, meu caro Dr. Groff, ele era o único que parecia não entender de vinho."

E assim me despedi e, embora morássemos em ruas do mesmo nome e número, eu no 221 da Rue Boulanger e ele no 221 da Baker Street, nunca mais revi meu amigo Sherlock Holmes.

Confraria Invinovéritas – degustação de Châteaux Crus Classés de Bordeaux 2002 – segunda-feira, dia 24, às 19 horas. Fone (41) 3338-7519.

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