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LivroAguardo Sua Resposta - Dan Chaon. Tradução de Roberto Muggiati. Bertrand Brasil, 378 págs., R$ 45 |
LivroAguardo Sua Resposta - Dan Chaon. Tradução de Roberto Muggiati. Bertrand Brasil, 378 págs., R$ 45| Foto:

A identidade — o conjunto de imagens que temos a nosso próprio respeito — está no centro dos debates contemporâneos. Em nossa época, de nomes falsos, de assinaturas fraudulentas e de mascarados, já não temos mais tanta segurança quando falamos a respeito de uma pessoa. Será que o sujeito que dialoga comigo é quem ele afirma ser? Uma pergunta anterior, ainda mais terrível, a essa se sobrepõe: será que ele sabe mesmo quem é?

Identidades partidas estão no coração de Aguardo Sua Resposta, romance do norte-americano Dan Chaon. A troca de identidade, com sua diluição em véus e disfarces e sua precariedade essencial, é um tema que fascina, há muito, os escritores. Penso, em particular, em dois romances que estão entre meus prediletos: O Duplo, de Fiodor Dostoievski, e Desespero, de Vladimir Nabokov. Dois relatos magistrais, que ilustram como é frágil, e mais que isso, como é ilusória, a imagem que temos de nós mesmos. Mas o tema está disseminado em toda a literatura, desde suas origens. É dessa fissura entre o sujeito e quem ele pensa que é que trata Dan Chaon em seu livro.

Uma recordação pessoal atravessa, agora, minha mente. Falecida ano passado, minha mãe suportou uma longa doença, que a abateu e a transfigurou. Mesmo em cadeira de rodas, de vez em quando pedia para ser levada diante de um espelho, no qual se contemplava sempre com grande espanto. Havia uma frase que, nessas ocasiões, cheia de horror, ela costumava repetir: "Estou muito diferente de mim". Minha mãe expressava assim, de modo doloroso e radical, algo que todos nós sentimos em alguns momentos da existência: a falta de sincronia entre o que somos e o que julgamos ser.

Do mesmo mal sofrem os personagens de Dan Chaon. Seu romance entrelaça três histórias igualmente assustadoras. Na primeira, Ryan Schuler, depois de fugir da faculdade, é dado como morto. A causa apontada pelos investigadores é o suicídio em um lago. Ao descobrir a própria "morte", depois do susto inicial, Ryan decide tirar proveito da situação. Começa a usar uma série de disfarces e a viver outras vidas. A história seguinte é a de Lucy Lattimore que, um dia, resolver fugir com seu professor de História, George Orson, por quem está apaixonada. A fuga termina por tomar, também, as feições de um desaparecimento, que aponta para o sonho de múltiplas vidas.

Na terceira história, Miles Cheshire procura obsessivamente seu irmão gêmeo, Hayden, um esquizofrênico que decidiu fugir de sua vida comum. Miles envolve-se de tal modo com o irmão que, a certo ponto, já não sabe mais se sua memória se refere a fatos reais de seu próprio passado, ou a lendas que Hayden lhe contou. "Recordando o passado, era como se Miles tivesse levado duas vidas — uma narrada por Hayden e a outra que vivia separadamente". Para costurar os três relatos, o narrador evoca uma fábula hindu, a dos sete sábios cegos e do elefante. Resume a lenda em uma lição de moral: "É assim que os homens se comportam diante da verdade: pegam apenas uma parte, pensam que é o todo e continuam tolos". Nesse sentido, menos tolos — embora atordoados e incomuns — são os personagens de Chaon, que se recusam a acreditar que uma única vida possa expressar a verdade inteira.

A ideia que domina as três histórias é a da ruptura total com o presente. O mundo é insatisfatório. O cotidiano, tedioso. Rotinas atravancam a vida comum. Por que não largar tudo isso e "ser" outra pessoa? O problema de Miles Cheshire começa com a necessidade de suportar a imagem dupla de um irmão gêmeo. Claro, as diferenças sempre permanecem. "Havia algo no rosto de Hayden — mais resplandecente, ávido, simpático —, alguma coisa a que as pessoas correspondiam, enquanto faltavam aspectos no rosto de Miles que provocassem efeito semelhante". Por uma fotografia, às vezes era difícil saber que eles eram gêmeos. Mas estavam atados pela alma, como se vasos comunicantes as ligassem.

Já Lucy Lattimore, arrastada por George Orson para um refúgio deserto e decadente, não tem mais certeza do que está sentindo. Por que realmente acompanha George? O que, de fato, ela quer? Por que não o abandona, pega um avião, e volta à vida anterior? Para suportar seu desamparo, apega-se a uma ideia da escritora Anaïs Nin: "Não vemos as coisas como elas são, mas sim como nós somos. Pois é o eu por trás dos olhos que comanda a visão". Achamos que desejamos uma coisa, mas podemos querer outra. Achamos que sentimos algo, mas quem pode ter certeza disso? Nem nós mesmos. De novo, a identidade se derrama da mente como a água de um copo cheio demais. Corremos o risco de nos afogar em nós mesmos.

Dado como morto, Ryan Schuler se vê em uma situação que muitas pessoas experimentam em algum momento de suas vidas. "É como uma daquelas coisas sobre a qual praticamente todos criam fantasias, não é? E se você acordasse numa certa manhã e as pessoas pensassem que você estivesse morto? Uma trama clássica, não? O que faria se pudesse deixar sua antiga identidade para trás?" Recordo-me aqui de um de meus romances favoritos de Paul Auster, A Noite do Oráculo, no qual um homem desce à noite para comprar cigarros na esquina e de repente é tomado pela ideia de nunca mais voltar para casa. Tem uma vida confortável, ama sua mulher, tudo está bem — mas e se tudo mudasse do dia para a noite? Não pensa duas vezes: toma o primeiro táxi, vai para o aeroporto e embarca para uma cidade onde nunca esteve, ou onde nunca poderiam pensar que estivesse. Passa a ser outro. "Morre", embora continue a viver.

Duplicar a vida, contudo, é um sonho que se aproxima perigosamente da loucura — aproximação experimentada pelos três protagonistas do livro. Na mente de Ryan, vêm versos do poeta americano David Frost, que tratam justamente da impossibilidade de ter duas vidas. Dizem: "Duas estradas divergem num bosque amarelado,/ lamentando não poder seguir por ambas/, sendo um único viajante por muito tempo permaneci parado/ me concentrei em um só lado,/ até poder ver onde fazia a curva lá adiante". Seguir seu próprio caminho é o mais difícil de aceitar.

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