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Romance - Aos 7 e aos 40. João Anzanello Carrascoza. Cosac Naify, 160 págs., R$ 39,90 | Reprodução
Romance - Aos 7 e aos 40. João Anzanello Carrascoza. Cosac Naify, 160 págs., R$ 39,90| Foto: Reprodução

Aos 7 anos, a correria, a alegria. Aos 40, a lentidão e a vida comum. Aos 7, "tudo rápido no demorado da infância". Aos 40, a força dos costumes, que a tudo prende e retém. O tempo é perigoso. Pode ser um tesouro, pode ser um castigo. Sendo as duas coisas, rende literatura aos que aprendem a manobrá-lo. Aos 7 e aos 40, de João Anzanello Carrascoza (Cosac Naify) é um belo exemplo disso. Que outra coisa é a literatura, senão uma manobra radical com o tempo? Um jogo que o leva às últimas consequências? De que outra matéria dispõem os escritores desde que Proust nos mostrou que além do tempo — memória, imaginação, fantasia, vida alongada — nada mais se chega realmente a possuir?

Na infância o tempo é um tesouro que nos prende e nos atiça. "Na sala de aula já recolhendo o tempo, como uma corda, pra trazer mais rápido o recreio". O tempo é o futuro que nos chama. É uma energia que empurra. O tempo anuncia, mas não responde: "Fascinava-me tudo o que, de súbito, surgia à minha frente. Mas não o desvelar de seu mistério!" O tempo é o futuro. Só aos 40 descobrimos a presença imóvel do presente. O presente, que pode ser uma paisagem lenta e acolhedora, mas pode ter o peso de uma pedra. Menino, o personagem de Carrascoza "nem sabia ler a tristeza nas pessoas". A velocidade do tempo não permitia esses intervalos de dor. Adulto, quarentão, enxerga a tristeza por todos os lados, a começar em si mesmo.

O tempo deforma as coisas, ele as manipula: na verdade, ele as inventa. É tudo uma questão de olhar. Aos 40, o amor ainda pode parecer uma cota do paraíso. Mas pode conduzir também ao inferno do tédio. Agora adulto, ele e ela têm um menino — têm o menino que ele foi. O tempo dá voltas: o tempo é cíclico. No amor adulto, acolhidos pelo calor do presente, a vida pode se tornar mais simples. Quando os dois se reencontram, por exemplo: "E era aí, na simples volta de um para o outro, que se dava o milagre". O romance de Carrascoza é a narrativa de delicadezas, mesmo quando elas são tristes ou ferozes. É um esforço para fixar o trânsito da vida. Sua mecânica, sua lógica. Seu fluxo. Tudo aquilo que ela não tem, mas a que nos prendemos como matéria de salvação.

A vida aos 40 é devagar, "poderia ser mais devagar ainda". Não há pressa: já chegamos, somos isso. Depois do que é, vem a corrosão do que é. Vêm as despedidas, as perdas, a decadência. Melhor, bem melhor, permanecer agarrado ao simples. E é por sobre o simples que a escrita suave de Carrascoza, afeição e leveza, se desenrola. A força dos costumes. Os assuntos comuns. As pequenas banalidades: eis a vida. Que só se move com as grandes descobertas: a arte da leitura. Não só a leitura dos livros, mas a leitura do mundo. "De repente, como se encontrasse a chave capaz de igualar a sua percepção à voltagem do universo, (…) ele se pôs a escutar atentamente os passos dela, vagarosos, de lá para cá". Escutar o mundo, ler o mundo, feri-lo com a marca dos sentidos, só isso nos leva a derrotar a monotonia. Só isso nos agiganta, permitindo que experimentemos algo além do comum. Só isso nos faz, de fato, homens.

Como o menino que, um dia, descobre a magia das letras "abraçadas umas às outras, para formar palavras". Que descobre que o tempo é um jogo, é algo que manipulamos, mas algo que nos manipula e submete também. Da infância, fica a imagem pastosa de seu Hermes, o vizinho, sempre recolhido ao silêncio, mas que dele conseguia retirar muitas coisas. Na infância, que se estende como um tapete acolhedor, o tempo é feito de promessas. Aos 40, como ele constata na companhia de um amigo com quem assiste ao futebol, todas as noites e dias são de decisão. O presente traz a obrigação das escolhas. O tédio só se move com algum empurrão para a frente: por exemplo, com a escrita que é, sempre, leitura também..

O romance de Carrascoza agita em nosso interior esse esquecimento do tempo, no qual — tolos — costumamos nos abrigar. A ficção tem esse poder: de nos perguntar — "E então?". A realidade, o homem descobre, é ondulante. "E, de repente, a realidade ondulara, substituindo aquela vivacidade pelo abatimento". Ela, a realidade, nos impõe perguntas. Ele, o tempo, exige de nós um estado de perseguição. De quê? De sentido. Existem muitas maneiras de perseguir o sentido, a literatura é uma das mais potentes que conheço.

E o romance de Carrascoza prova isso. Ele provoca no leitor "o retorno de um estado de suspeição". Ele dispara um alarme, um alerta. Nos leva a recordar que diante do tempo, ou lutamos para controlá-lo, para dirigi-lo, e mesmo perdendo seguimos em frente, ou ele nos achata e engole. Nos anula.

Lutar contra o tempo, lutar para domá-lo, é enfrentar a aflição. O filho doente, a mulher o consola. Uma cena simples, mas que guarda dentro de si uma pequena explosão. "O retorno a um estado de suspeição: ele captara um alerta no suave mutismo da mulher". Deve aprender a ler o silêncio. Na lentidão da vida, precisa ler os traços de urgência, os pedidos de ação. O silêncio (seu Hermes), se não é lido, pode ficar aberto como uma ferida. Viver, no fim, é aprender a ler o grande silêncio que nos envolve para, na hora certa (mas qual será?) dizer duas ou três palavras essenciais.

A tristeza do menino, que não sai com os amigos, também precisa ser ouvida. Também pede significados que, talvez, só o pai — revivendo o menino que foi — possa conferir. Ferir a tristeza com a espada das palavras. Rasgar o silêncio com o risco de um significado. Tudo muito precário, tudo por um fio e, no entanto, isso é viver.

Quando tenta assumir a voz de pai diante do filho fraco, entre os companheiros de trabalho, o pai se sente fraco também. O menino permanece: 7 aos 40. Os números (os anos) se embaralham. Não há por que fugir: a vida é isso. Só nos entregando a sua precária (e muitas vezes inútil) decifração conseguimos seguir em frente. Conseguimos avançar, como num romance. Por exemplo, o de Carrascoza. Um escritor que conhece e respeita o tamanho de sua tarefa: "Todo começo é grande e está numa altura acima de nós".

O romance de João Anzanello Carrascoza é a narrativade delicadezas, mesmo quando elas são tristes ou ferozes.

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