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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Anita abriu o armário do banheiro, remexeu as gavetas. Nada. Saiu pelo corredor, os cabelos molhados, enrolada numa toalha:

– Luiz! Ô Luiz!

Foi encontrá-lo no quarto, parado em frente ao espelho do guarda-roupa, cuidando dos cabelos – tarefa na qual consumiria ao menos meia hora.

– Onde está meu creme, Luiz?

Ele se virou lentamente, um tanto desatento, como se precisasse de algum esforço para desligar seu olhar do espelho.

– O creme?... Usei. Acabou.

Ela ajeitou impaciente a toalha em torno do corpo:

– Luiz, isso tem que acabar.

– Pois acabou, respondeu ele. Eu compro outro.

– Você não está me entendendo, Luiz.

– Não? – ele se voltou para o espelho e agrupou o topete ligeiramente para o lado esquerdo – Você não quer que eu compre outro?

– Luiz, quero que você acabe com essa coisa de usar meus cremes, de passar horas na frente do espelho. Quero que isso acabe.

Ele fixou o olhar no espelho como se perguntasse ao outro Luiz que lá estava: que está havendo, companheiro? Disse:

– Não entendi.

– Pois é, não entendeu.

Enquanto ele escolhia que camisa usar, ela disparou a falar a respeito das coisas que não iam bem. Estava cheia daquilo de cremes, de depilações, de cuidados com as sobrancelhas, de roupas de grife, de cortes de cabelo originais, de tratamento para a pele, de musculação.

– Chega, entendeu? Chega, Luiz! Metrossexual já era!

Ele afinal escolheu a camisa e olhou Anita como se fosse uma estranha que invadira o seu quarto:

– Mas você é que...

– Eu sei, eu sei. Mas agora estou cheia disso, entendeu?

– Mas por que mudou de opinião?

Ela deu um safanão na toalha, que ameaçava descer pelos seus seios, e disse:

– Não sei. Não sei.

Ele riu:

– É bem coisa de mulher! Faz um escândalo e não sabe a razão.

Ela se agitou, eufórica:

– Está vendo! É isso, Luiz. No fundo você é um machão.

Ele reagiu, humilde:

– Eu? Me desculpe, não quis ofender.

Ela segurou a cabeça com as duas mãos. Foi quando a toalha desabou no chão. Ele a olhou perplexo.

– Não peça desculpas, Luiz! Você não está entendendo!

– Não?

– Não! – ela ergueu a toalha do chão e se enrolou nela – Que tal você se permitir alguns traços de macho?

A partir deste ponto Luiz se convenceu: não entendia mais nada. Fora criado desde criança para ser um macho, daqueles que não chora, que não come mel, come a abelha, mas ao longo da vida as mulheres exigiram dele ser mais delicado, mais gentil, menos grosso, mais bem cuidado, perfumado, bonito. Agora, ela vinha com aquela história: queria o machão de volta. As mulheres, pensou, mudam a toda hora. E lá vamos de arrasto.

– Não quero o machão de volta, Luiz. O que eu quero... Você...

– Sei, sei... Não estou entendendo.

– Isso. Não está entendendo. O mundo mudou, mudamos nós, você precisa mudar.

Olhou para Anita, olhou para a toalha que cobria seu corpo. Não sabia o que fazer. Disse:

– Não sei o que fazer.

Anita sorriu:

– Posso sugerir?

Culpa da toalha, pensou mais tarde. Mulher embrulhada em toalha é irresistível. Isso ao menos não mudara.

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