• Carregando...

Aos poucos eles foram saindo, um a um, como se fosse um ritual. Beijavam sua testa, acariciavam seus cabelos, lhe davam um abraço murmurando palavras amigas: força, qualquer coisa que precisar, não deixe de telefonar, passo aqui no fim da tarde, amanhã trago aquela oração. Ela agradecia, tentava sorrir, mas queria apenas ficar sozinha.

Não a deixaram sozinha. Pareciam temer alguma coisa que ela pudesse fazer ou sentir. No entanto, o que ela sentia era isso: já não queria fazer nada, não havia o que fazer.

Quando voltavam para casa – o sobrinho, sério e triste, dirigindo o carro; a irmã a seu lado, segurando sua mão – ela sentiu que tudo acabara. A vida não tem surpresas, pensou ela, todos sabemos o que vai acontecer. Sabemos desde sempre.

Foi abraçada por muitas pessoas. Algumas delas, não via há muito tempo, outras estavam mudadas. O tempo é implacável, pensou desta vez, e também nisso não havia surpresa, era assim mesmo. E quem era aquela moça jovem, de cabelos pintados de vermelho? perguntou a uma prima. A namorada do meu filho, respondeu a prima. Ah, fez ela, sentindo um cansaço imenso, as mãos caídas sobre o colo. Moça bonita, comentou.

O sobrinho dirigia muito devagar pelas ruas. Todos se moviam muito devagar. Teve a impressão de que mesmo os ônibus, sempre barulhentos e agressivos, iam devagar. Um senhor atravessou a rua lentamente quando o sobrinho parou no semáforo. Lentos também eram os gestos das pessoas que aguardavam no ponto de ônibus. Até um menino pareceu tomado pela lentidão. Era um garoto magro que surgiu na calçada com um pedaço de papel na mão. Ficou lendo. Devagar. Muito devagar.

Aquele menino fez com que ela cobrisse os olhos tentando controlar o choro. Lembrou dele e de seus livros, seus trabalhos, suas leituras. Ela o conhecera ainda no colégio, estavam no segundo ano do primário. Odiaram-se à primeira vista. Ele era quieto, sério, tinha umas beiçolas carrancudas – segundo ela comentou com uma amiga. Ela era espevitada, não parava quieta, lhe dava nos nervos, ele lhe disse muitos anos depois. Durante o recreio, ela desceu as escadas correndo, esbarrou nele e o derrubou. Ele caiu segurando o joelho machucado e a olhou com cara de brabo:

– Não olha onde anda, não?!

Ela não sabia se o ajudava ou se respondia com algum desaforo.

Disse:

– Não deve ficar lendo no meio da escada. Escada é para descer ou subir. Não é para ficar lendo.

Passaram um semestre sem se olhar. Ou melhor, olhavam-se de longe, medindo um ao outro. Ele achava que ela era bonita. Ela achava que ele tinha um olhar esperto. Ele tinha vontade de mandar que ela ficasse quieta e ela tinha vontade de puxar os cabelos dele e sair correndo.

De tanto observarem um ao outro, viraram amigos. De tanta amizade, ingressaram juntos na faculdade. Quando se formaram – ele em direito, ela em enfermagem – já haviam decidido: o casamento seria antes da metade do ano.

Já em casa, ela diz novamente ao sobrinho que não se preocupe, podia ficar sozinha. O sobrinho ralha com ela, lhe dá um beijo e diz:

– Nada disso. Fico com a senhora.

Apenas ela e o sobrinho em casa, passou os dias seguintes procurando por ele. Eram oito horas, já estaria se vestindo, ajeitando a gravata, pronto para o trabalho. Atravessa a sala como se fosse um menino sério e carrancudo e sorri para ela. Beijam-se. Ali pelas duas da tarde ele está de volta. Ficam juntos o resto do dia, ela cuidando de suas coisas, vendo um filme na televisão, ele sentado ao lado da janela, lendo. Quando não estava lendo, achava alguma coisa para consertar na casa.

Durante vinte dias se divertiram andando de um lado para outro, evitando chamar a atenção do sobrinho. Ele não entenderia, lhe disse o marido. É mesmo, concordou ela, melhor ele não saber de nada.

Na tarde daquele vigésimo dia, aproveitando que o sobrinho estava distraído preparando um café, ele deu um beijo nela e convidou:

– Vamos?

O sobrinho a encontrou quietinha, sentada na cadeira ao lado da janela, um livro nas mãos, um sorriso nos lábios.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]