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O homem aproximou-se com uma pompa majestosa e disse:

– Meu nome é Pertético Masmênico Luxes.

Era um tipo magro, tenso, e parecia nervoso. Usava chapéu branco e finos bigodinhos cinzentos.

Pertético prosseguiu:

– Sou Guarda de Trânsito... – pigarreou – ...Guarda de Trânsito Gramatical.

– Perdão. Não entendi.

Pertético parecia ofendido.

– Eu investigo e puno – disse ele, retirando da cabeça o pequeno chapéu branco, que passou a rodopiar com mãos nervosas na altura da cintura – casos de ofensa à língua pátria... pétria, pítria... – disparou, entre piscadelas nervosas. Desculpe-me.

– Por que se desculpar? É seu trabalho.

– Não se trata disso. Peço desculpas porque sempre que digo língua pátria... pétria, pítria..., sou levado a repetir pétria, pítria. Não entendo a razão. Um cacoete, compreende? Perdão.

– Me parece curioso.

– Parece-me curioso.

– Ao senhor também?

– Não. Refiro-me a sua frase. Não se deve dizer "me parece". O certo é "parece-me".

Ele tentou sorrir:

– Entendi. Rigores gramaticais de guarda de trânsito.

– É preciso manter a pureza da língua pátria... – Pertético tentou conter-se, mas disparou, nervoso: ...pétria, pítria... Desculpe-me.

– Está desculpado. Mas – foi sua vez de disfarçar a irritação: O senhor me procurou para quê?

– Este "que" é com ou sem acento circunflexo?

– Com. Acho.

O chapéu parou de rodopiar em suas mãos e Pertético bateu os calcanhares, ao modo militar:

– Há uma reclamação contra o senhor.

– Reclamação?

– Um B.O.

– Boletim de Ocorrência? O senhor é da polícia?

– Não. Boletim Ortográfico. Como sabe, é preciso respeitar a pureza da língua pátria...

– Pertético contraiu-se por inteiro.

– ...pétria, pítria... – ele tentou ajudar.

– ...pétria, pítria... O senhor tem o mesmo cacoete?

– Não. Mas acho que este troço pega. Lembro de uma frase de...

Pertético o interrompeu:

– O prezado acaba de cometer outro erro, não me leve a mal.

– Qual? espantou-se.

– Regência verbal. A regência verbal, como o prezado amigo deve saber, é um problema seriíssimo. – Pertético ergueu um dedo no ar: Seriíssimo!

– Seriíssimo, repetiu ele, calculando se deveria chutar ou estrangular o sujeito.

– Voltando à questão da língua pátria... – Pertético fechou os punhos e gritou: Ai, meu Deus, de novo! Chega! Chega!

– ...pétria..., ajudou ele.

– ...pétria, pítria... Pronto. Pronto!

– Calma, o senhor está muito agitado. Vou lhe servir um cafezinho.

Colocou a xícara a sua frente. Pertético provou o café:

– Está sem açúcar, reclamou.

– Perdão. Eu tomo sem açúcar, esqueço de oferecer.

Pertético sorriu, sentindo-se relaxado diante de tanta gentileza. Pediu:

– Me passe o açucareiro.

Ele exclamou, estarrecido:

– Viu o que o senhor disse?!

– Eu?!

– O senhor disse: Me passe o açucareiro.

– Eu disse isto? Meu Deus, feri a pureza da língua pátria!!

Foi quando Pertético Masmênico Luxes deu um salto de alegria e gritou:

– Viu? Não repeti pétria, pítria! Não repeti! Língua pátria! Estou curado!

E saiu porta afora, dando cambalhotas, aos berros:

– Estou curado! Língua pátria! Estou curado!

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