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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Lá vinha eu caminhando quando encontrei um desses amigos ocasionais que fazemos batendo pernas por aí. É um homem sorridente, simpático, gentil. Não sei seu nome e nem ele sabe o meu, o que acontece nesse tipo de amizade ambulante. Terá seus setenta e cinco anos, cabelos brancos, andar apaziguado.

Caminhada é um veículo ideal para se conversar sobre tudo, do tempo que faz aos escândalos do dia. Não raro resolvemos os mais complexos problemas do mundo dando pernadas ao longo de meia quadra.

Meu amigo estava preocupado com o Brasil. Quem não está? Reclamou disso, daquilo, eu o apoiei. Em seguida, lembrou que estrangeiros insistem em ver qualidades no nosso povo, que dizem caloroso, amoroso, acessível etc.

– No que ficamos?, me desafiou.

Sem que eu reagisse, emendou:

– Sabe qual é o mal do Brasil?

Me ocorreu que já foi a saúva, mas preferi evitar essa polêmica. Devolvi a pergunta óbvia:

– Qual é?

– Ter sido descoberto pelos portugueses. Se fossem os ingleses... os franceses...

Ouço esse argumento desde criança, mas, tratando-se de uma caminhada, é preciso ser cordial. Não contestei. Aguardei explicações.

O diabo com os mitos é que dispensam argumentos, ou seja, qualquer coisa serve para apoiar um mito que, por natureza, não tem apoio em coisa alguma. Além disso, nenhum argumento derruba um mito. O racismo e todos os preconceitos de etnias e nacionalidades e outros estão nesse caso. Gustavo Corção, criticando essas asneiras, dizia ser possível desenvolver uma teoria segundo a qual os males do mundo decorrem da existência de corcundas.

Eu acrescentaria, sendo óbvio, que o problema começa com a constatação de que no mundo existem mais corcundas do que imaginamos. Como se sabe – e eis um exemplo de como se defende mitos – corcundas são criaturas dissimuladas. Um postulado imbatível.

Assim, já que nos mitos alguém tem que incorporar o mal, é preciso admitir que os corcundas povoam o mundo com sua presença insidiosa.

Por isso, diante do entusiasmo do meu amigo – que não parece se considerar racista e nem mencionou corcundas, registre-se – fiquei quieto e esperei.

– Ah, essa corrupção! Tudo isso vem da colonização portuguesa. Veja quantos portugueses existem em São Paulo!

Fiquei perplexo. Mas continuei quieto.

– Se fossem os ingleses seria outra coisa, sentenciou ele.

Tentei lembrá-lo de países onde houve colonização inglesa, francesa ou belga, nas Américas e na África. Esses países foram saqueados e são miseráveis e atrasados.

– Mas Angola, hein? – me cutucou com o cotovelo – E Moçambique?

Eu estava diante de um autêntico defensor de mitos, para quem predominam as verdades definitivas. Ao contrário do pensamento, no qual tudo está em questão, nos mitos tudo é definitivo.

Argumentei que o problema não era a nacionalidade, mas haver colonizador, o que implica degradar o colonizado, mas ele não me ouviu.

Arrematou, sorridente:

– Nada disso. Os portugueses são os culpados, não há como negar.

Os mitos e os preconceitos são invencíveis. Seu sucesso se deve àquela certeza apaziguadora que só a ignorância consegue proporcionar.

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