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Sempre que passo pela estátua de João Paulo II, não havendo ninguém por perto – para que não me tomem por mais doido do que sou – comento:

– Sua Santidade merecia uma estátua menos sinistra.

E sigo em frente. Deixo para trás a estátua, com seus olhos furiosos, as mãos crispadas, parecendo vestir luvas cirúrgicas, o corpo rijo. Para não falar na suspeita forma roliça.

Gosto desse Papa, com quem, em 1980, troquei um cumprimento na esquina da rua Senador Saraiva com a Inácio Lustosa. Eu vinha caminhando e surgiu, na rua deserta, um carrão preto. Eis que João Paulo II está na janela e me manda um tchauzinho simpático, sorridente, quase uma bênção. Naquela esquina eu era, digamos, o único cristão. O tchauzinho foi só para mim. Devolvi a gentileza, o carrão seguiu em frente e fiquei feliz da vida – não é todo dia que se recebe um cumprimento exclusivo de um Papa.

Por isso desejo ao Papa outra escultura, que tenha seu ar bonachão, sua bonomia de polaco. Pois dia desses passei por ela e repeti a frase de sempre. Dez metros adiante, senti que alguém me seguia. Olhei para trás e lá estava ele, o Papa.

Vestes brancas, sorriso polonês, mãos generosas acenando para mim. Confesso que não estranhei. No Brasil nada consegue me surpreender.

– Sua Santidade! exclamei.

– Olá, Roberto, preciso falar com você.

Fiquei estático. Estava ali na minha frente e sabia meu nome. Olhei para o fim da trilha e vi o pedestal sem a estátua. Uma senhora assustada rodeava o pedestal. Deu um berro e saiu correndo.

– Está vendo? Não posso me demorar. Tenho dois pedidos a lhe fazer, caríssimo.

– A mim?!

– Sei que você escreve nos jornais...

– Sabe disso também?

– Sei. Você não imagina as coisas que um Papa sabe. Mas não posso perder tempo. Primeiro, a estátua. De fato, mereço coisa melhor. Não é minha cara nem minha alma. Como você diz, é sinistra. Nem entendo como certas senhoras piedosas rezam aqui toda semana.

– E que posso fazer?

– Diga que quero outra estátua. Olhos serenos, meio moleques, expressão terna, carinhosa e... polaca.

– E o outro pedido?

Ele foi rápido, o tempo corria contra nós:

– O mictório do parque. É infecto, úmido, escuro, sem ventilação, nunca recebe sol, porta da privada sem trinco, teto baixo pingando água e a parede escorrendo coisa pior. Parece um túmulo. Quando tenho que usá-lo me sinto arrasado.

– Sua Santidade também...

Não me respondeu, pois dois guardas surgiram em correria. O Papa sumiu no ar. Os guardas passaram esbaforidos. Atrás deles, a senhora que dera por sua falta no pedestal. Pensei em sair de fininho, mas fui chamado por um pardal pousado à beira do caminho.

– Psiu! Estou aqui! – me chamou o pardal, com sotaque polonês; sem perder tempo, completou: Escreva no jornal que exijo que o governador venha fazer xixi aqui nesse mictório. Caso contrário, tomarei providências divinas!

Dito isso, o pardal voou em direção ao pedestal.

Se eu fosse o governador, trocava a estátua e ia fazer um xixi ali no parque para conferir as condições do mictório. Esse polaco é gente boa, mas nunca se sabe.

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