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Ele, Anacleto, conferiu no relógio e, sendo sexta-feira, achou que estava na hora de um cineminha. Virou-se para Ana Lúcia e convidou:

– Que tal um cineminha?

Para seu espanto, ela, que adora cinema, hesitou:

– Cineminha?

– É. Aquela tela, lembra? Grandona, no escurinho, poltrona macia. Pipoca.

– Mas hoje a gente já saiu cinco vezes de casa.

Ele não entendeu:

– Sim, fomos trabalhar, fomos ao supermercado, levar as crianças na escola. Merecemos um cineminha.

– Também acho. Mas... tem o aquecimento global, entende?

– Não entendo.

– Olha.

Ana Lúcia entregou a ele um e-mail que recebera, um destes que circulam pela Internet. Ele leu no item apontado por ela:

– "Diminua o uso do veículo particular, faça-o de forma eficiente. Não viaje só, organize translados em grupos ou em transporte coletivo."

– Tá vendo? – ela parecia desolada – Diz aí que você "poupará 0,5 kg de dióxido de carbono por cada 1,5 km que não conduzir! Cada 4 litros de combustível poupado retira 9 kg de dióxido de carbono da atmosfera!"

Ele se sentiu um criminoso. Seu cineminha e seu Chevette 82 colocavam o planeta em risco.

– Podemos convidar nossos vizinhos, sugeriu. Transporte coletivo. Que tal?

Ela leu o item seguinte:

– "Calibre satisfatoriamente os pneus e regule o motor para economizar gasolina". Nós esquecemos de regular o motor do Chevettinho e os nossos vizinhos, Deus me livre! Já viu a fumaça que o carro deles faz?

– É mesmo, ele concordou. Nada de cinema, então.

– Infelizmente.

– A gente poderia fazer um lanche aqui em casa mesmo – disse ela.

Ele advertiu:

– Mas sem carne. Veja só o que está escrito aqui: "Produzir um quilo de carne gasta mais água do que 365 duchas."

– Nada de carne?

– Nem de televisão, ao menos enquanto discutimos o que fazer. Veja esta: "Desligue a TV, rádio, luzes, computador, se não estiver usando".

Anacleto levantou-se na poltrona e desligou a televisão. Na escuridão da sala, precisaram acender um abajur para continuar consultando a relação de proibições:

– "Modere o consumo de latas de alumínio", ela insinuou.

– Eu não consumo latas de alumínio. Consumo cerveja. Aliás, acho bom a senhora não usar a máquina de lavar roupa, a não ser "quando estiver cheia e reutilizando a água". E prefira plantas nativas.

– Por que?

– Consomem menos água.

– E o que são plantas nativas?

– Depois a gente vê no Google. Olha esta aqui: "Não esbanje guardanapos, papel higiênico. Use papel reciclado e dos dois lados." – ao que ele perguntou, intrigado: Há papel higiênico reciclado que pode ser usado dos dois lados?

– Deixa de piada boba! Vamos tomar um banho e depois...

– Sei não. Não temos banheira, o que economizaria sete mil litros de água por ano. E o chuveiro precisa ser desligado enquanto nos ensaboamos. Banho com água fria é mais saudável para você e para o planeta.

– Nem brincando! – Ana Lúcia levantou-se do sofá – Então, vamos assim mesmo para o quarto, sem banho.

Abraçaram-se e foram para o quarto. Jogaram-se na cama. Mas ele interrompeu bruscamente aquilo que as aulas de educação sexual chamam de preliminares e, levantando-se, disse:

– Já pensou que a população mundial é de 6,6 bilhões de pessoas? São 3,3 bilhões de relações potenciais duas vezes por semana. 277,2 bilhões por ano. Já pensou o que isso libera de energia? Além disso, sexo produz certa poluição sonora. E sexo dá fome e, com fome, come-se e bebe-se mais...

Ana Lúcia puxou Anacleto pelo braço:

– Chega! Amanhã a gente pensa no planeta!

Naquela noite, o aquecimento global subiu alguns pontos, ao menos nas redondezas daquela cama.

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