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Como é sabido, Laurinho Telefone é o mais eficiente conquistador aqui da Vila e arredores. Acrescento pela primeira vez os arredores e não é sem motivo. Vigiado e punido pelos namorados e maridos ciosos de suas posses, Laurinho precisou estender seus domínios de conquista. Costuma dar agora uns bordejos pelos bairros e vilas mais distantes à procura de novos corações a cativar.

Numa dessas incursões, foi lá para o outro lado da cidade. Marcou um encontro com o amigo Léo, com quem joga sinuca aos sábados. O jogo estava desinteressante, fazia muito calor, Laurinho começou a beber mais cedo e logo trocou o taco e a mesa pela porta do boteco.

Foi quando se deu a, digamos assim, revelação. E iniciaram os tormentos de nosso herói.

Na passarela ao lado, por onde passam os que caminham em direção ao parque, ele se assustou com a quantidade de ruivas que passavam. Uma era pequenina, outra era alta e forte, com cabelos ao vento, uma terceira estava concentrada no fone de ouvido. Todas ruivas. Ficou estático.

Léo gritou lá da mesa:

– Cumé, vai jogar ou não vai?

Sem responder, Laurinho foi dar uma caminhada. Andou duas quadras, fez um rodopio, voltou. Teria acabado o estoque de ruivas? Ele estaria bêbado? Viu miragens? Quando retornou ao boteco, e se dispunha a dar uma tacada, surgiu outra ruiva.

Metida num agasalho cinza, justíssimo, camiseta branca, os cabelos de fogo abertos em cachos volumosos. Laurinho a achou deslumbrante, ensolarada, divina. Segurou o taco com uma das mãos e, com a outra, apoiou-se na porta.

A ruiva passou sem dar a menor bola para ele, queixo erguido, num passo elástico, rijo, que prometia muitas delícias.

– Meu Deus! exclamou ele.

– Que foi? perguntou Léo, que surgiu a seu lado.

Olhou para o amigo com desprezo:

– Falei com Deus, não com você,

– E queria o que com Deus?

– Cê ainda pergunta?! Não viu a ruiva?

Não, Léo não vira a ruiva.

– A ruiva, Léo. A essência de todas as ruivas! Deslumbrante!

Foi quando Laurinho largou o taco e desembestou a correr. Mas, fosse por não ser atleta, fosse pela quantidade de cerveja que tomara, não a alcançou. Ela sumira. Voltou meia hora depois, exausto e desiludido.

Esse episódio se deu no sábado e, segundo Léo, ficou na conta de mais um pileque. Mas, no domingo, de volta à Vila, ao entrar no bar do cego Tião, todos viram que Laurinho seguia deprimido. Sentou num canto, pediu um papel e um lápis, recusou bebida, e começou a fazer anotações.

O que ninguém sabia é que ele estava devastado pela descoberta que fizera: nunca namorara uma ruiva. Nunca. Jamais. Como deixara escapar as ruivas? Elas lhe pareciam agora o auge de uma carreira. Para tirar dúvidas, anotou uma imensa relação de namoradas, marcando ao lado de seus nomes: morena, mulata, loira, clarinha, sarará, alemã, escurinha, dinamarquesa ou finlandesa, já não lembrava, etc. Nada de ruiva.

Tião, preocupado, veio perguntar:

–Tá faltando alguma coisa?

Ele rolou um olhar assustado na direção do cego e disse:

– Uma ruiva.

– Ruiva? Não seria uma loira super gelada?

– Não, ruiva. A única mulher que me falta! Aquela que procurei a vida inteira!

Tião, grande psicólogo, passou a mão no rosto, suspirou fundo e disse:

– Acho que você tá precisando de um dobrado de vodka e cachaça com limão e pimenta. Vou preparar.

E Laurinho lá ficou, abismado. Havia em sua alma um vazio devastador: a ruiva que jamais tivera.

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