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 | Ilustração: Felipe Lima
| Foto: Ilustração: Felipe Lima

Quase todo mundo que conheço subestima a distância. Para mim, é como desdenhar da morte. Não falo de uma distância específica – 20 centímetros ou um ano-luz –, mas de qualquer espaço que existe entre uma pessoa e outra.

Não consigo enxergar a distância como algo superável. Se você pegar um avião e voar até um lugar distante, chegando lá, onde quer que seja, não terá vencido a distância. Ela simplesmente deixará de existir.

Pense numa tempestade violenta, do tipo que destrói casas e mata pessoas. Ninguém diz: "Eu superei a tempestade". Na melhor das hipóteses, você procura sobreviver a ela. O mesmo vale para guerras. Imagino que na velhice, lembrando episódios do passado, vou olhar para as minhas netas e netos e contar como continuei a viver depois da Distância. Como um velho que fala de guerra.

Experimente mandar um e-mail para alguém com quem você preferia sentar num café e conversar. Ou tente matar as saudades falando horas ao telefone com a pessoa que você queria abraçar e beijar. Talvez seja um problema meu, mas o e-mail e o telefonema costumam causar o efeito contrário do esperado – em vez de aplacar a saudade, criam nuances dela. São variações estranhas de uma dor conhecida. A vontade de conversar não passa, apesar de ter destrinchado no e-mail todos os assuntos que levaria para o café. A carência de beijos e abraços continua, mesmo ouvindo a voz da pessoa no celular.

A comparação da distância com a morte também faz sentido porque as duas implicam perdas. Minha experiência com mortes na família é pequena. Muitos se foram antes de eu nascer e, depois, perdi uma bisavó que amava muito, mas ela tinha 94 anos e viveu os últimos dez rezando para o fim chegar logo, de uma vez.

Se o pouco que sei sobre morte aprendi com minha bisavó, tudo o que sei sobre distância foi meu pai que me ensinou. Passei – não sei ao certo – uns 15 anos tentando lidar com os 9 mil e tantos quilômetros que me separavam dele (e ainda separam). Consegui entender algumas coisas nesse tempo. Uma delas é que admitir a distância com as limitações que ela impõe é muito difícil. Isso pode parecer óbvio, mas não para mim. Há dias em que ainda amaldiçoo as limitações, mas no fundo sei que isso – usando as palavras de um amigo meu – é mijar contra o vento.

Estar presente ainda que ausente, além de ser um paradoxo, dá trabalho. Mais simples é entregar o jogo. Afinal, como brigar contra um inimigo imbatível? A resposta mais razoável é se juntar a ele. Chegar a um acordo.

Vivo agora a Segunda Grande Distância. Meu filho mora com a mãe dele em outra cidade, a cem quilômetros de mim, faz dois anos.

Você pode dizer ainda bem que cem quilômetros não são 9 mil, mas não existe isso de distâncias melhores ou piores. Todas são ruins. A distância "boa" das pessoas que você prefere que fiquem bem longe tem outro nome: desprezo ou indiferença.

Nos primeiros meses, briguei contra os cem quilômetros como se fossem um brutamontes de cem quilos. E apanhei a valer. Usava todos os recursos que tinha com a arrogância dos que acreditam demais na tecnologia. Achava que celulares, computadores e automóveis me ajudariam a compensar a distância.

Veja, o problema foi o "compensar".

Demorei a entender que o melhor que consigo fazer é usar toda a parafernália à minha disposição para abraçar a distância. Não dá para excluí-la da minha vida com o meu filho. Ela faz parte da nossa rotina tanto quanto a escola dele ou o meu trabalho. Então firmamos um acordo. Agora penso na distância, falo dela e a percorro sempre que posso. Em troca, ela não me incomoda tanto.

Vejo meu filho nos fins de semana e conversamos por telefone todos os dias. Até mais de uma vez num mesmo dia. Falo enquanto ele come, vê tevê, brinca e toma banho. Sei que estou demorando na ligação quando ele me avisa que vai mudar de orelha. Pelo "Oi, pai" com que me atende, sei dizer se está feliz, triste, sonolento ou irritado. Brigamos e fazemos as pazes por telefone. Um dia, ele esticou o aparelho na direção da tevê e ficou assim um tempão porque queria que eu ouvisse um de seus desenhos favoritos.

Essas histórias parecem mais divertidas do que são na realidade.

É claro que ter qualquer tipo de contato é melhor do que não ter nenhum. Mas achar que horas conversando por telefone ou pela internet resolvem o problema é um sinal de que a distância conseguiu se impor. Ela venceu e você perdeu.

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