• Carregando...
 | Daniel Derevecki / Gazeta do Povo
| Foto: Daniel Derevecki / Gazeta do Povo

Quando o juiz apitava dando início aos jogos do Brasil nesta Copa do Mundo, eu estava a caminhar por ruas de Curitiba. Circulei por onde não conhecia durante esses intervalos em que chuva, pagamento de dívida, arco-íris, tudo enfim parecia estar adiado.

Foi em meio a um daqueles 90 minutos, quando todas as portas comerciais se fechavam, e o silêncio era a música urbana, que comecei a me dar conta de um assunto com potencial para ideia-fixa.

Como é possível conviver com a existência de espaços físicos reais que já frequentamos e que não são mais acessíveis? Uma casa onde moramos e hoje é endereço de outra família. Podemos passar em frente, estacionar nas imediações e até apertar o botão da campainha e pedir desculpas pelo eventual engano. Não. Nada mais nos dá o passaporte para um paraíso perdido, mesmo que não tenha sido paraíso e somente tempo que se foi.

Um amor que parecia eterno e não deu certo, então, é apocalipse, cacos que não colam, pesadelo sem fim. Aquela pessoa era cúmplice, sabia o que apenas o silêncio conhece e, apesar disso, e de muito mais, uma manhã ou tarde surge o ponto final. Aquela mesma pessoa, agora, está ali, a poucos passos, mas não há mais palavras, nada a dizer, no máximo oi e tchau.

Uma e outra vuvuzela me tiram desses trilhos muito meus, quase tropeço e beijo o asfalto. Estou em frente ao local onde aprendi o a-e-i-o-u, mas quando dois mais dois se revelaram pela primeira vez quatro, não havia esse muro alto, cerca elétrica, tantas grades. Queria mesmo era ver uma entrada ou saída de alunos, mas a cidade parou.

Enquanto a seleção brasileira estava em campo, Curitiba, Rio de Janeiro, o Brasil, talvez grande parte de mundo interrompia urgências. Durante um daqueles jogos, um ônibus passava; dentro, só o motorista. Um avião cruzava o céu. Eu seguia.

Ontem, ao caminhar, tive quase certeza de que essa sensação, a impossibilidade de retornar a locais e a pessoas, já foi apresentada ao meu imaginário por meio de livros, filmes, canções, mas não lembro dessas obras nem desses autores.

Depois de uma centena de passos sob o sol, surge a lembrança do Jamil Snege, um amigo que partiu em 2003. Mas, daí, é perplexidade demais. Não quero, pelo menos agora, pensar nesse absurdo que é a viagem com o bilhete só de ida: seria muita tempestade nos meus olhos.

Na rua onde moro me dou conta de que poderia abrir intervalos para pensar nessas pontes em ruínas durante as madrugadas, quando a cidade também interrompe a maior parte dos sons. Mas então eu me lembraria demais de outro amigo que se foi, o Wilson Bueno. Madrugada acesa: a partir dessa expressão se materializa, para mim, a lembrança mais rara dele que, como os galos, tecia as manhãs (e ainda elaborava uma prosa mais do que inventiva, poética).

Lembro, sim, daqueles que pegaram o bilhete só de ida, como o Snege e o Bueno, mas quero um trampolim, rosas cor champanhe e uma pluma neste sábado. Para embarcar em uma jangada que atravesse a terceira margem do rio e me leve à Pasárgada ou até você.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]