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 | Ilustração: Felipe Lima
| Foto: Ilustração: Felipe Lima

Não é fácil ser casada com um arquiteto. Há todo um vocabulário necessário para se manter um mínimo diálogo, e ser jornalista revela-se insuficiente na tarefa. Não importa se o assunto é o degelo das calotas polares ou a transição de poder no Egito. O próprio ato de se sentar para uma conversa precisa ser meticulosamente combinado a partir de uma semântica comum. "Te encontro na mesa circular, próximo ao guarda-corpo." Hã? "Ah, aquela mesa redondinha, perto da ‘gradinha’ do shopping?" O silêncio do interlocutor diz muito.

"Ir reto" não é uma direção aceitável, devendo ser substituída por "em frente". Onde estão as esponjas? No armário da pia, lógico. Ele vai à cozinha. Não aí, na pia do banheiro. "Lavatório não é pia."

Silêncio.

Se bato o ombro da beira da porta, a correção vem antes do consolo. "É caixilho. Vem cá que eu assopro."

Entrar ou sair de garagens é um momento tenso do relacionamento, quando uma família linguística completa entra em cena. Pilar, pilastra, viga, coluna, desse jeito vou bater o carro em todas elas. Em tempo: se é circular é coluna, se for reta (?) é pilar, se é vertical não pode ser viga e pilastra é só para quando a coisa salta para fora da parede. Pelo menos foi o que entendi.

Para os próximos anos, aguardo instruções de nível avançado: aprender a diferença entre fonte e chafariz; caminhar nas ruas de Curitiba e diferenciar a lousinha do petit-pavé, além de identificar as nuances entre fachadas construídas no início e no fim dos anos 70. Quem sabe na aposentadoria passearemos pelas ruas de Paris e serei eu a apontar torres e arcos para chamá-los pelo devido nome?

Devia ter aproveitado melhor o estágio com minha mãe, culta descendente de suecos cuja educação foi daquelas que incluía aulas de francês. Costumávamos brincar com isso, já que uma simples advertência de trânsito podia levar eras. Enquanto ela pronunciava um "cuidado com o transeunte!", o coitado já tinha sido obrigado a correr do automóvel.

Usar palavras diferentes das tradicionais deveria ser sinônimo de erudição, estudo, poder de escolha. Mas, normalmente, o uso plural do vernáculo é recebido com uma torcida da boca, uma virada dos olhos.

Quando a língua inglesa ainda estava em formação, Shakespeare usou cerca de 29 mil palavras em toda sua obra e inventou diversas delas, como addiction (vício, em Otelo) e eyeball (o globo ocular, em A Tempestade), conforme uma listagem do Instituto Shakespeare Brasil. Como comparação, a Bíblia na versão King James tem por volta de 6 mil palavras e Racine, clássico do cânone francês, usou 3 mil delas, o que também não quer dizer pouco.

Como diz meu marido, se tenho uma caixa de lápis com 72 cores, por que vou usar só 6?

Talvez eu devesse fazer umas reportagens sobre decoração – e comprar um dicionário.

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