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 | Felipe Lima / Gazeta do Povo
| Foto: Felipe Lima / Gazeta do Povo

O tempo existe, aparentemente, para ser contabilizado. Em minutos, dias ou séculos. Por conta dessa lei suprema de nossa civilização, celebramos aniversários, tomamos conhecimento de quando começa a sessão do filme que desejamos ver e sabemos quando ocorreram grandes acontecimentos, como guerras, declarações de independência, desastres naturais, feitos tecnológicos ou descobertas científicas.

Esquecemos, no entanto, que há uma outra faceta do tempo, bem menos precisa e objetiva. "Ele passa e não volta mais, leva a infância e o que traz", escrevi numa redação de quinta série que guardo até hoje, já anunciando certa vocação melancólica que hoje não escondo e da qual chego a ter certo orgulho.

Há algo perturbador nessa constatação um tanto ingênua de menino. Às vezes não dá tempo. Ele se esgota sem dar aviso prévio. Como um tsunami, ele chega, arrasta, derruba tudo. Arrasa o que encontra pela frente, nos deixando atônitos, inertes.

Pouco mais de uma semana atrás, fui relembrado desse seu caráter inexorável quando recebi, por msn, a notícia da morte de um estimado companheiro de trabalho, o jornalista e professor universitário Victor Folquening, atropelado por um ônibus em Curitiba. Numa frase digitada do outro lado pelos dedos nervosos e incrédulos de uma cara amiga em comum, o ponto final chegou antes que eu me desse conta da existência de um epílogo naquela história. Não havia mais tempo para acrescentar novas cenas e falas. Ou para elaborar melhor esse personagem que saía de cena para sempre, deixando um rastro de perplexidade – e muita tristeza.

*

À medida em que nos tornamos maduros, vai ficando claro que muito do que gostaríamos de fazer de nossas vidas, os tais sonhos pueris de juventude, são mesmo meras nuvens de algodão doce. Desmancham na boca. E, muitas vezes, nem deixam qualquer amargor. Apenas a lembrança de um sabor efêmero e inconsistente.

É frustrante tomar consciência de que, provavelmente, não vai acontecer tão cedo, ou jamais, aquela grande conversa regada a vinho e lembranças com o melhor amigo de adolescência que hoje está no outro lado do mundo com a família que você ainda não conhece. Ou para o ajuste de contas com um ex-grande amor de sua vida.

Há tempo, contudo, para ao menos tentar compreender o presente. mergulhar na aparente desimportância de nossos atos cotidianos e perceber que estamos, mesmo sem nos darmos conta, a escrever uma história sobre a qual temos pouco ou nenhum controle. Que pode ser interrompida a qualquer instante. Mas nos pertence ainda assim.

Melhor, então, não esquecer que o tempo se esgota sem qualquer lógica. E ao menos buscar sorver cada momento ao lado de quem realmente importa como se fosse o derradeiro. Dizer aquilo entalado na garganta, que talvez traduza uma verdade temida, mas não menos urgente, ainda que adiada. Pedir perdão a quem se magoou por descuido ou vaidade.

Revelar nossos afetos, enfim.

E assim o mundo segue a girar, à espera de outro descompasso, ruptura ou tragédia, capaz de nos lembrar de nossa inescapável fragilidade. Algo precioso porque nos devolve a humanidade que costumamos derrubar pelo caminho enquanto perseguimos os ponteiros do relógio, aquele outro tempo.

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