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Em O Mestre, Joaquin Phoenix vive um anti-herói autodestrutivo, incapaz de gerar qualquer empatia | Divulgação
Em O Mestre, Joaquin Phoenix vive um anti-herói autodestrutivo, incapaz de gerar qualquer empatia| Foto: Divulgação

Já dizia o slogan do Grupo Luiz Severiano Ribeiro, um dos maiores circuitos exibidores do país: "Cinema é a melhor diversão". Não há muito como discordar do teor dessa frase, uma vez que a sétima arte, desde os primórdios, sempre teve o entretenimento como uma de suas missões fundamentais. Basta lembrar que durante a Grande Depressão, profunda crise econômica e social enfrentada pelos Estados Unidos após a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, as salas de exibição se tornaram refúgio para desempregados e desesperançados de todo tipo, que buscavam algumas horas de escapismo e magia no escuro, diante da tela grande.

Há vezes, no entanto, em que o cinema não cumpre a promessa de divertir, oferecendo entretenimento agradável para quem busca mero passatempo e deleite. E pode surpreender o espectador incauto, aquele que não se informa a respeito do filme que vai ver, ou simplesmente o escolhe por causa do título, do elenco ou dos prêmios que recebeu ou aos quais concorre.

Há dois títulos em cartaz em Curitiba que podem ter o impacto de um soco no estômago emocional, talvez indesejado: Amor, de Michael Haneke, e O Mestre, de Paul Thomas Anderson.

Ambos são obras que, cada uma a sua maneira, oferecem experiências sofridas a quem as assiste. Mexem com questões profundas, sobre as quais não pensamos, ou não queremos muito pensar.

Amor é um antimelodrama. Justamente por retratar, sem artifícios – como o uso de música em grandes momentos de catártico arrebatamento emocional – a extensão de um sentimento que, apesar de imenso, não é capaz de driblar o inevitável. É uma obra sobre a decadência física, a finitude e, enfim, como o próprio título anuncia, a respeito de um amor incondicional.

Georges (Jean-Louis Trintignant) e Anne (Emanuelle Riva) são um casal de pianistas clássicos octogenários, que vive em um amplo e confortável apartamento parisiense. A serena rotina dos dois muda traumaticamente quando Anne sofre um acidente vascular cerebral e fica com metade do corpo paralisada.

Condenada a se locomover em uma cadeira de rodas, ela, antes uma mulher ativa e independente, se vê limitada e forçada a recorrer ao marido para quase tudo. Ele se desdobra para manter a vida dos dois dentro de uma relativa normalidade.

À medida em que a saúde de Anne entra em declínio, e sua dependência de Georges aumenta, ela começa a mergulhar em estado de profunda angústia. No entanto, ele não desiste de tentar ajudá-la com uma devoção ao mesmo tempo inspiradora e dilacerante, já que movida por um inconformismo latente. Ele se recusa a aceitar o incontornável, ainda que dele tenha consciência – é um homem culto. E, para o público que busca no cinema uma saída de emergência para a dureza da realidade, Haneke nos oferece a possibilidade de ensaiar para a vida real.

Mas há quem saia do cinema desgostoso. Compreensível.

O Mestre, por sua vez, vai mais longe nessa recusa de não agradar o gosto médio – e incomodar. A narrativa é errática, imprecisa e por vezes parece ter a intenção de confundir o espectador. Isso ocorre porque ela reproduz os tortuosos caminhos mentais trilhados por seu protagonista, Freddie Quell (Joaquin Phoenix), um sujeito atormentado que, após sair da Marinha, logo depois do término da Segunda Guerra Mundial, se vê sem nenhum rumo ou objetivo de vida.

Alcoólatra e avesso a qualquer atividade que envolva disciplina, Freddie é um anti-herói por excelência, e encontra abrigo no seio de uma seita que começa a nascer por obra e graça de Lancaster Dodd (Philip Seymour Hoffman), médico, filósofo e charlatão manipulador de corações e mentes, criador do que ele chama de "A Causa".

Enquanto o ex-marinheiro e agora fotógrafo vê no mestre uma espécie de figura paterna carismática, ausente em sua história de vida, o líder místico enxerga no rapaz uma cobaia sob medida para seus jogos mentais, cuja devoção o inebria, alimentando seu ego desmedido.

Retrato desiludido dos Estados Unidos do pós-Guerra, O Mestre é um ato de coragem de Paul Thomas Anderson, que vai até além de Haneke, e chega a "agredir" o espectador, frustrando suas expectativas o tempo todo, lhe negando qualquer elemento que possibilite identificação e empatia.

Diante desses dois filmes, o slogan citado no início deste texto, ganha inesperada ironia. Cinema, felizmente, nem sempre é a melhor diversão, podendo, inclusive, estragar o seu dia. Mas também pode ser uma baita experiência.

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