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Luiz Camillo de Oliveira Torres (1904-1953) foi um daqueles vultos que sempre parecem maiores do que eles mesmos ou que não desenvolveram a plenitude de grandeza que estava em potência nas suas virtualidades (Maria Luíza Penna. Luiz Camilo: perfil intelectual. Belo Horizonte: UFMG, 2006). Biográfica, intelectual e temperamentalmente pertenceu ao grupo mineiro de tanta presença e influência na vida política da primeira metade do século vinte – grupo que, por se constituir em família espiritual, deve ser estudado em conjunto: Virgílio e Afonso Arinos de Melo Franco, Luiz Camillo, Pedro Aleixo, José de Magalhães Pinto, Odilon Braga, Dario de Almeida Magalhães, mais os aparentados por afinidade. Não surpreende, é até natural, que se trata do que poderíamos ter, do ponto de vista psicológico, como a família udenista.

Não me refiro à filiação partidária (há muitos udenistas por temperamento que não pertenceram à UDN), mas ao espírito de clã, à visão do mundo, às simpatias eletivas e às incompatibilidades viscerais, ao orgulho aristocrático amenizado pelas convicções democráticas (a democracia das elites), e, em todos eles, a vaidade nobiliárquica refletida nas biografias e autobiografias que escreveram: suas biografias são ainda uma forma implícita de autobiografia. Enquanto geração social, o grupo deixou seu documento de identidade coletiva no famoso Manifesto dos Mineiros, cuja redação final esteve a cargo de Luiz Camillo e Virgílio de Melo Franco, por coincidência duas figuras antes ancilares que magistrais.

Na távola redonda em que todos eram iguais, Afonso Arinos era e continuou sendo mais igual do que os outros, enquanto cabia àquelas modestas abelhas operárias as obscuras, mas essenciais, tarefas de manutenção. O texto do Manifesto, escreve Maria Luíza Penna. "Foi o resultado de um consenso entre intelectuais, políticos e empresários visando atingir um denominador comum. Mais importante que o texto, considerado por alguns como anódino, é o fato de ele conter pontos importantes da agenda liberal e o seu significado político ser indiscutível. Foi a primeira manifestação civil mais estruturada e amplamente difundida contra o Estado Novo, e esse galardão é para os mineiros motivo de orgulho e auto-afirmação. As assinaturas representavam uma atitude de repulsa ao poder discricionário e à falta das liberdades civis. É preciso notar que no texto estão embutidos os princípios inerentes a uma conceituação filosófica-jurídica da democracia: a escolha livre dos dirigentes; a temporalidade do mandato dos governantes; o respeito das minorias; o reconhecimento dos direitos humanos. Embora constatado que o Brasil estivesse [sic] em fase de progresso material, o Manifesto argumentava que a prosperidade poderia ser alcançada sem o cerceamento das liberdades civis".

Era um grupo inegavelmente paroquialista. Assim, quando Manuel Múrias, diretor do Arquivo Histórico de Portugal, pediu a Luiz Camillo uma lista de grandes escritores brasileiros a ser divulgada naquele país, eis os nomes que lhe ocorreram: Afonso Arinos de Melo Franco, "descendente de família de intelectuais"... Emílio Moura ... Orlando de Carvalho ... Cyro dos Anjos... Eduardo Frieiro ... Cornélio Penna [...]". Valores incontestáveis, sem dúvida, mas destacados quadros da literatura brasileira naquele momento.

Luiz Camillo exerceu uma "missão de mediador", conclui Maria Luíza Penna, "constituindo uma ponte para os amigos ... sente que fez o que pôde para ajudá-los", o que, bem entendido, nada tem de censurável. Afinal de contas, de uma maneira ou de outra, a República das Letras é a república da camaradagem. Ele deixou a imagem de político atuante nos últimos tempos do Estado Novo, quando já se tornara possível a publicação de um documento como o Manifesto. Basta lembrar que já estava em preparação o I Congresso Brasileiro de Escritores, cuja "Declaração de princípios" foi um desafio tanto mais aberto quanto pedia eleições imediatas e Oswald de Andrade proclamava do palco o nome de Eduardo Gomes, tabu até então vetado pela censura.

Acólito do grupo mineiro, Luiz Camillo, como Capistrano de Abreu e Rodolfo Garcia, não deixou a grande obra que o seu talento permitia esperar. Foi homem de sucessivos projetos e capacidade de organização material, sem jamais "superar as suas dificuldades de escrever livros e textos historiográficos, e para deixar registrado o seu percurso intelectual, suas opções de leitura e concepções de história". Foi, talvez, um caso daquele "terror do palco" que aflige tantos atores talentosos.

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