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Marques Rebelo teve com Oscarina, em 1931, uma das mais rumorosas estreias da literatura brasileira e, oito anos depois, passando do conto para o romance, parecia confirmar o que convencionalmente se espera na carreira dos ficcionistas, isto é, que "evoluam" das formas mais simples para as mais complexas (A Estrela Sobe (1939). Rio: José Olympio, 2009). Da extrema-direita, com Plínio Salgado a Tristão de Athayde, à extrema-esquerda, com Jorge Amado e seus acólitos (ao tempo em que tais distinções significavam alguma coisa, todos concordaram em saudá-lo como uma grande revelação, tanto mais sensível quando as letras passavam por acentuado momento de morasmo, depois das grandes manifestações modernistas.

Ele formava, entre os excessos de 1922 (culminados em Macu­naíma, e o despojamento estilístico das letras nordestinas que viria depois da equilibrada recuperação por que todos ansiavam. À revolução "antiliterária" do Mo­­dernismo sucedia uma revolução "literária" mais moderna, sem ser chocante ou desafiadora; se era possível pressentir, em consequência dela, uma reação voluntária ao primitivismo deliberado. Marques Rebelo reatava com a tradição do texto bem escrito, qualquer coisa como uma garantia contra a "revolução" e contra os "paulistas". De fato, é impossível ignorar a rivalidade, se não a hostilidade que percorre em filigrana esse período entre nordestinos e paulistas (falo em termos literários, claro está).

Oscarina foi recebido como a confluência das correntes insubmissas e como a efetiva reação da "literatura carioca" depois do evidente malogro em que afinal se perdera o grupo de Festa. Bem entendido, esses motivos todos não eram conscientes, nem predominaram no justo sucesso de Oscarina: aparecem agora, em visada retrospectiva, quando procuramos explicar o segredo daquela unanimidade tão espontânea quanto inesperadamente constituída em torno do livro. Se este último, em conjunto, é bastante desigual (o que já não ocorre em A Estrela Sobe), o conto que lhe deu título merecia amplamente o entusiasmo despertado, além de lançar as grandes linhas do que viria a ser a arte do escritor Marques Rebelo.

Escritor inegavelmente superior à sua obra, podemos agora percebê-lo, porque também agora são mais rigorosas as exigências do público, não sendo menos inegável que, no seu caso, a personalidade era superior a uma e a outro. Criou-se ao seu redor o mito rebeliano do espírito sarcasticamente impiedoso, pronto para identificar o lado ridículo dos homens e das coisas, mas era, creio eu, a persona que criou para representar na comédia do mundo, sendo no fundo creio eu, um sentimental e um emotivo. Sua comédia da vida literária chama-se O Espelho Partido, significativamente o livro em que não conseguiu ser cruel – seja evitando a forma do diário, imposta pela natureza da matéria, seja "defendendo" os personagens atras de pseudônimos que os iniciados facilmente identificaram.

Trata-se de inegável malogro sobre o qual Josué Montello deixou estas palavras definitivas: "Rebelo cometeu um erro insanável quando deu ao seu diário o tom de um romance em vários volumes. O romance não chegou a ser romance. O diário deixou de ser diário. [...]. Andei a reler alguns trechos do espelho partido, onde suponho estejam algumas das mais belas páginas rebelesianas. Na linha da que consagrou, num dos contos de Oscarina, a rua Dona Emerenciana, e que Graciliano Ramos tanto gostava, a ponto de repetir-lhe, de cor, alguns trechos "salteados" (Diário Completo, II, 30/10/1983).

Se, como cidadão da Repú­bli­ca das Letras, seu nome jamais abandonou uma relativa notoridade – devida em grande parte às suas originalidades pessoais – reconheça-se que, como escritor "com quem se deve contar", é ine­­gável que sofreu um desgaste bastante sensível. Depois de Os­­ca­­rina e, notadamente, depois de A estrela sobe, todos os seus livros situam-se naquela "média" de qualidade e interesse que alimenta a vida editorial sem nada acrescentar à literatura. Contudo, Marques Rebelo continua a ser o ficcionista de sua cidade, contista "carioca" por excelência, fixando com impressionante espontaneidade a sua fala e maneira de ser, nomeadamente em face das mudanças civilizacionais como a do rádio, por exemplo.

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