• Carregando...

Tendo começado como mestre de pensamento da Direita, nomeadamente depois da conversão ao catolicismo militante, em 1928, Alceu Amoroso Lima (1893-1983) passou a mestre de pensamento da Esquerda, acompanhando com visíveis esforços de autoconvicção as vicissitudes do que, à falta de melhor termo, podemos chamar as ideias sociais oficialmente adotadas pela Igreja. Foi homem que propôs sucessimente como certezas a sua própria incansável busca de certezas. Ele não "procurava gemendo", como Pascal, mas dizia já ter encontrado pronta a matéria das certezas, garantidas pela doutrinação imperiosa de Jackson de Figueiredo, teologicamente corroborada pelo P. Leonel Franca, tudo legitimado (e corrigido) ao longo dos anos pelas encíclicas e seu tropismo esquerdista (sinal dos tempos).

Não criou uma "escola de pensamento", diz Cândido Mendes na exemplar biografia que lhe consagra (Dr. Alceu da "Persona" à Pessoa. São Paulo: Paulinas, 2008) – simplesmente porque, tudo bem considerado, foi apenas o mais bem dotado dos discípulos. Seu "tempo final" não é "nem o arrebatamento daquele consolo do absoluto construído no balanço de todas as horas, da consciência da última culpabilidade do justo [...] nem jamais se contrapôs à metade terminação definida pela Hierarquia ou pela consciência transcendente do laicato ou pela ‘voz do sem voz’". Seu "socialismo", segundo Cândido Mendes, tem muito do remorso, despertado pela condição operária de que se beneficiara: "Via-se então como um socialista in pecto e não entendia como o catolicismo poderia conviver com a visão rígida no tratamento dos direitos e dos salários de seus operários [...]". Foi a inquietação que sempre o acompanhou nos esforços para introduzir no mundo capitalista (que era o seu e o de sua família) o elemento de justiça social que lhe faltava: enquanto direitista orgânico e doutrinário, sofria da nostalgia da esquerda que o fascinava, e que, apesar de tudo, não podia aceitar.

Sob os regimes de direita, aspirava pelos de "esquerda", quero dizer, o que então passava por ‘pensamento social" da Igreja desde a Rerum Novarum. De fato, o papado aceitava os tempos novos então anunciados, desde que, bem entendido, trouxessem a garantia da Autoridade. Cada nova encíclica lançava Amoroso Lima em ânsia interpretativa semelhante à dos comunistas a cada nova "diretiva" do Partido. Era uma engrenagem desnorteadora, porque cada nova diretiva e cada encíclica obliterava dogmas aceitos, forçando os fiéis a dolorosos exames de consciência.

De fato, as igrejas, cujas verdades eternas evoluem bem mais depressa que o espírito dos fiéis – depressa demais, parecia dizer Alceu Amoroso Lima, formulando votos para que João XXIII fosse "apenas um hiato entre dois verbos de Deus" [sic]. Seria um "Papa pro tempore entre dois grandes": por menos do que isso muita gente foi levada à fogueira... Enfim, concluía, num gesto de prudência: "o Espírito Santo lá sabe o que faz e vamos esperar os atos do novo Pontífice para julgá-lo [sic] com mais justiça". A convencional eternidade da Igreja é feita da flexibilidade com que se acomoda às inevitáveis mudanças dos tempos. Sua adesão irrestrita a João XXIII só se faz quase no fim do pontificado, após o Concílio Vaticano II e o seu testamento definido na Pacem in Terris.

Nessas perspctivas, seria possível encará-lo como alguém que passou a vida em ansiosa busca da Verdade, sem jamais alcançá-la, se julgarmos pela insistência com que parecia tentar convencer-se a si mesmo. Adotando o vocabulário junguiano, Cândido Mendes propõe desde logo a chave essencial: conhecemo-lo pela persona que criou, resultante da influência inicial de um espírito sistemático como Jackson de Figueiredo, mais a doutrinação catedrática de Leonel Franca.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]