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"Diz José Enrique Barreiro que Olavo de Carvalho "tem reduzido a pó, em seus textos e em suas aulas, a produção intelectual dominante, incapaz de lançar a mínima luz sobre ponto algum do nosso ser". Na verdade, os mortos que matou continuam de perfeita saúde simplesmente porque não há idéias erradas, dizia há alguns anos, com grande sabedoria, um juiz da Suprema Corte norte-americana".

Com a publicação de dois volumes (O futuro do pensamento brasileiro: estudos sobre o nosso lugar no mundo, e A dialética simbólica: estudos reunidos. São Paulo: É Realizações Editora, 2007), ambos com título mais ambicioso que a matéria e respectivo tratamento, Olavo de Carvalho inicia a série de suas obras completas na coleção editorial que lhe leva o nome. Se, como ensinava Taine, o que define um escritor é a sua qualidade predominante, pode-se pensar que, neste caso, trata-se de um espírito organicamente polêmico, e até agressivo, impulso que o leva a encarar problemas de cultura, autores e obras alheias em atitude adversarial desde o ponto de partida.

Para se distinguir de Machado de Assis, afirma, sem necessidade, que as "diferenças de personalidade" entre eles "são demasiado fundas: não consigo me conceber tímido, recatado, elegante e, ademais, funcionário público", notação, esta última, cuja cogência intelectual não consigo perceber. Sua abordagem do pensamento e das opiniões alheias determina-se pelas incompatibilidades, com vigoroso estilo expositivo, mas privando-o, ao mesmo tempo, da serenidade e isenção que sempre esperamos, e temos o direito de exigir, dos pensadores em geral e nomeadamente dos que se dedicam à crítica da cultura. Tendo a paixão das idéias, tem, ainda mais, a paixão das suasidéias, limitando-lhes necessariamente o alcance e a universidade. Assim, o interesse da leitura, enquanto lemos, desperta, à reflexão instinto da discordância como reação igual e contrária.

Trata-se de um "moralista encolerizado", para aplicar-lhe o que escreve a respeito de Bernanos, opondo-o ao "amável e gentil Ortega", paralelo tanto mais eloqüente quanto define duas famílias de espírito. Diz José Enrique Barreiro que Olavo de Carvalho "tem reduzido a pó, em seus textos e em suas aulas, a produção intelectual dominante, incapaz de lançar a mínima luz sobre ponto algum do nosso ser". Na verdade, os mortos que matou continuam de perfeita saúde simplesmente porque não há idéias erradas, dizia há alguns anos, com grande sabedoria, um juiz da Suprema Corte norte-americana. As idéias não pertencem aos domínios emocionais da Fé, onde Olavo de Carvalho coloca as que defende com veemência.

Mais amenas, em aparência, são as questões de natureza estilística, como, por exemplo, as diferenças entre prosa e verso: "O que quer que digam os teóricos empenhados desde há cem anos em intermináveis discussões, o fato é que a distinção entre verso e prosa é apenas uma distinção entre as duas formas mais gerais da quantidade, a quantidade contínua e a quantidade descontínua [...]. Verso é verso enquanto predomine nele algum princípio de descontinuidade ou seccionamento, seja ele rítmico ou métrico [sic], algum tipo de reiteração sonora; e a prosa é prosa enquanto flui e não volta. Os versos são como gotas de chuva, que pingam repetidamente, e a prosa é um rio que corre sem interrupções".

Explicações mais pitoresca que substancial, porque dizia Gustave Lanson em livro esquecido para nosso prejuízo (L’art de la prose, 1908), a prosa é feita de versos irregulares cujo ritmo é matemático, segundo os princípios da métrica. Em outras palavras, a prosa não se distingue do verso enquanto forma, mas, sim, da poesia, razão por que muitos maus "poemas" parecem-nos e estão escritos em prosa. Claro, há também o problema do vocabulário: a prosa fala em idioma referencial e a poesia em língua metafórica. Não há assuntos "poéticos" e outros prosaicos, lembrava Mário de Andrade com ironia, podendo haver tanta poesia nos raios do luar quanto numa réstea de cebolas.

Tanto é assim que Olavo de Carvalho chega, por inesperado, a conclusão semelhantes: "a rigor, segundo a sua origem, verso e prosa não são modos de significação, e sim modos de elocução [...]". Aludindo, de passagem, aos poemas em prosa, ele afirma, com razão, que não se trata de verso, simples redundância evidente por si mesma, mas a questão é saber se se trata de poesia, o que cada leitor decidirá de acordo com suas próprias inclinações. Por isso, conclui ele, "a distinção de verso e prosa se refere primariamente à elocução, e secundariamente [...] à significação [...] todos os gêneros literários podem ser vazados indiferentemente em prosa ou em verso [...]".

O que, claro está, não transforma em boa poesia ou em boa prosa os maus versos que se vêm escrevendo por esse mundo afora.

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