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A julgar pelo número e variedades das edições, a antologia é o gênero predominante na edição dos nossos dias. Há, mesmo, autores que apresentam desde logo as suas obras como "antológicas", muitos críticos e noticiaristas empregam a palavra como elogio: no futebol há gols antológicos, há livros antológicos no momento da publicação, sem a certeza de serem "antológicos" no momento da leitura. O excesso editorial de antologias reflete a carência de imaginação inventiva: como dizia o implacável José Veríssimo, é uma maneira de fazer livros à custa dos outros. Há, mesmo, profissionais de antologias, encarregados de compô-las mediante busca sistemática pelos índices editoriais.

Publicada em 1928, a antologia histórica de Humberto de Campos constitui a prova, nas suas próprias palavras, da depressão do espírito literário na Academia Brasileira de Letras [...]. Feita, porém, a Academia, começou no país a decadência do espírito literário". Esse livro é um dos raríssimos exemplos, talvez único, de antologia negativa, toda antologia deve ser otimista por definição e até risonha como a de Josué Montello. No momento em que se contesta a legitimidade de literatura ou em que, pelo menos, não falta quem o faça, não deixa de ser curiosa a obstinação com que se afirma e reafirma a própria necessidade. Já houve quem comparasse as academias às igrejas (e em mais de um sentido), todas superando as crises nos períodos de depressão; também os escritores reúnem-se em cenáculos, dos quais as antologias são a forma escrita.

Quanto à "representatividade" espiritual das academias, implícita em livros dessa natureza, é questão que sugeriria outros comentários, entre outros a respeito dos "expoentes" das diversas classes sociais. Era, como se sabe, a teoria de Joaquim Nabuco, espírito mais mundano que o de Machado de Assis, que preferia vê-las constituídas de escritores, mesmo que esses escritores se chamassem Mário de Alencar, sendo certo que posteriormente elegeu Manuel Bandeira e Guimarães Rosa, Álvaro Lins e Alceu Amoroso Lima, aplicando à sua maneira o princípio das compensações.

Há 50 anos, pelo menos, a ideia de tradição perdeu toda validade nas artes e nas letras, substituída já agora pela tradição do moderno (!). Hoje, ao contrário, o grande princípio tacitamente aceito é o de vanguarda, experimentalismo e contestação. Criou-se, é certo, o conformismo do anticonformismo e a vanguarda da vanguarda. Seja como for, estamos diante do academismo conformista.

Rompendo com a Academia, Graça Aranha "teve indiscutivelmente um belo gesto, mas hoje é impossível deixar de reconhecer que o incoerente era ele... Graça aranha queria uma Academia revolucionária. Ora, nada há mais contrário ao espírito que uma Academia que uma revolução. As academias são, por definição, e por costume organismos apegados à tradição, destinados, como já disse, principalmente a defender o patrimônio da língua. As revoluções literárias e artísticas devem nascer, e todas elas têm nascido, fora do recinto das Academias, nas mesas de café, nas faculdades, nos clubes, nas pensões de estudantes" (Alceu Amoroso Lima).

O revolucionário eleito para a Academia é o incendiário transformando em bombeiro, é o diabo feito ermitão; o único diabo que propôs uma candidatura de demônio, desejava uma eleição diabólica talvez pretendesse o Terror na Academia e chamava-se Oswald de Andrade: sabendo hoje que se tratava de um diabo de brinquedo. A Academia sendo, por definição, o coroamento de uma carreira, colhe, em geral, os seus eleitos na idade canônica, que é a idade... antológica, salvo as vocações acadêmicas precoces (assim como as há as extemporâneas). No fundo, a Academia é uma antologia viva, assim como as antologias são academias convencionais. Na verdade, a inclinação acadêmica não depende da idade, assim como as seleções antológicas são puramente arbitrárias. O caso de Graça Aranha ainda uma vez serviria de exemplo magnífico: era um espírito acadêmico que se acreditava revolucionário e que terminaria a carreira propondo a destruição de Academia: antigo socialista terminou acadêmico, sendo talvez mais correto situá-lo no ponto de confluência das forças que o mantinham em suspenso a igual distância do academismo e da revolução literária, assim como as antologias só pertencem à literatura pelo capítulo didático.

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