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A partir da década de 1920 iniciou-se e se consolidou o processo civilizatório identificado por Daniel Halévy como "aceleração da história", fenômeno perceptível no desenvolvimento e desdobramento das artes e das letras, expresso na sucessão cada vez mais rápida de escolas vanguardistas cujo fim oculto é, ao contrário, imobilizá-las. É o que se pode verificar para o que no momento nos interessa na multiplicação de grupos poéticos no século 20, todos envolvidos nessa dinâmica inelutável (Domingos Proença Filho, org. Concerto a quatro vozes. Rio: Record, 2006).

A "marca da poesia brasileira, desde os anos de 1970, é a multiplicidade de tendências", ou seja, a aceleração da história, configurando-se no que ele denomina de "movimento de dispersão". Exauridos em suas próprias novidades e por causa delas, os grupos de 1950/60 cederam o centro de interesse aos que vieram em seguida: "Tornaram-se momentos históricos, com suas propostas incorporadas (?), com maior ou menor relevância, ao processo da literatura". Antes "menor" que "maior", assinalo eu, porque não há nada mais obsoleto do que as vanguardas que se esvaziam.

Nesse período, os concretistas enquanto escola (1956/1960) constituíram-se em mãe de todas as vanguardas (como já houve a "mãe de todas as batalhas", e com os mesmos resultados), decretando, para começar, a extinção do verso tradicional, a ser substituído pelo linosigno (Cassiano Ricardo) ou pelas palavras enquanto formas visuais, poesia, não para ser lida, mas simplesmente vista ou olhada. Domício Proença Filho acredita que "exerceu influência nas artes gráficas e na produção publicitária", exatamente o contrário do que ocorreu, se pensarmos que a cruz Bayer já era, há muitos anos, um poema concretista involuntário e sugestivo. Na criação poética, "suas propostas seguiram acionadoras de polêmicas, às quais não falta forte presença de passionalismo" escorado na descoberta tardia de autores que, segundo fontes fidedignas, já não estavam mais por descobrir, como Mallarmé, Ezra Pound e Oswald de Andrade.

Tudo com ares dogmáticos e excomunicatórios: era uma religião ou uma seita, provocando reações cismáticas e heréticas, como o Neoconcretismo de 1959, momento em que Haroldo de Campos expediu o atestado de óbito do Concretismo, em 1960. Contudo, os respectivos textos são "raros e de difícil acesso", passando do poema tipográfico para "caixas enterradas no chão [sic], artefatos de acrílico ou de zinco com letras, poemas-livros, etc.), opções em tudo semelhantes às das artes plásticas, que, aliás, foram muito mais longe, ou mais perto, inclusive no desafio deliberado, insultuoso, gratuito e até coprológico.

As vanguardas procriam-se entre si por cissiparidade incoercível: Praxis, Processo, Violão de Rua, Arte Postal – cada grupo demonstrando, ao mesmo tempo, o desespero da inovação obrigatória e a esterilidade imaginativa. Como termina tudo isso? Não termina: veio em seguida o Tropicalismo, outra novidade requentada, "que ganha vulto no cenário cultural brasileiro a partir de 1967 – 1968", acabando por configurar o fenômeno da dispersão. Como ficou dito, em tempos de aceleração da história, vanguardas e escolas nascem por cissiparidade, não de raízes fecundantes, lição que Mário de Andrade, vanguardista puro sangue, registrou num apotegma devastador: "em arte, escola = imbecilidade de muitos para vaidade dum só", postulado com que se abria Paulicéia desvairada, uma das poucas obras autenticamente vanguardistas de nossa literatura.

Quanto aos poetas reunidos nesta coletânea arbitrária e gratuita entre todas (Adriano Espínola, Antônio Cícero, Marco Lucchesi e Salgado Maranhão) nada os une se tudo os separa, a não ser o "retorno à preocupação conteudística e ao coloquialismo, com ampla liberdade de expressão e retomada dos caminhos abertos pelo Modernismo de 1922, na direção da valorização do cotidiano, do discursivo quase prosa, do predomínio da expressão sobre a construção", evidenciando-se, ainda, "um afastamento da linha esteticista e do formalismo", palavras de Domício Proença Filho, que os vê representando quatro tendências definidoras: a "tradição revitalizada", a "tradição modernista revisitada", "ecos das vanguardas dos anos 50/70" e a "emergência de segmentos preocupados com a afirmação de identidade cultural".

Em suma, escolas e vanguardas devem se resignar à própria efemeridade, se os poetas, ao contrário, aspiram pela permanência e pela glória, recompensa que os deuses da literatura reservam apenas a alguns poucos. É, pois, com um sorriso de ceticismo que devemos receber a afirmação de Domício Proença Filho segundo a qual "são mais de 1.500 os poetas que, em termos quantitativos, se encontram na ativa de uma forte produção". Haverá, creio eu, 1.500 pessoas (no mínimo!) escrevendo versos ou tentando escrevê-los, legiões cujos livros desaparecem no momento mesmo em que aparecem.

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