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Aos poucos, o rap nacional se despe dos ranços e estereótipos. A transformação se dá por meio da informação: quanto mais os MCs e DJs colocam a cabeça para fora do gueto, mais elementos trazem para seus trabalhos. Simples assim, como ensina a cartilha, tão em voga, da inclusão – seja ela social, digital, musical.

Dois bons exemplos dessa escola mais aberta do hip-hop brasileiro são os grupos paulistanos Mzuri Sana e Z’África Brasil, ambos com discos novos na praça. O primeiro surpreende pelo manejo das ferramentas tecnológicas. O segundo, por uma disposição em dialogar com músicos de outras vertentes.

Vindo de um EP lançado em 2003, o Mzuri Sana (o nome quer dizer "bom coração" em suaíle, uma das poucas línguas africanas não desvirtuadas pelos colonizadores) chega ao "álbum cheio" com Ópera Oblíqua. Inteiramente forjado no computador, o CD é um desfile das inúmeras referências que habitam o imaginário do trio formado por um DJ e dois MCs. De Machado de Assis a Guerra nas Estrelas, vale tudo na ópera-rap de Parteum (co-autor da trilha sonora da série global Antônia) e Secreto, rimadores nitidamente mais antenados do que a média. O DJ Suissac também não deixa por menos, entregando bases influenciadas por jazz, rock e dub jamaicano.

Ao longo de 14 faixas, o grupo versa sobre temas cotidianos e despeja um sem-número de citações da cultura pop. Mas seu discurso poderia ser sintetizado em uma única música, "Definição", que conta com as participações especiais do baterista Iggor Cavalera (ex-Sepultura) e do veterano rapper Rapin’Hood (irmão de Parteum). "Essa é só para equilibrar a guerra fria entre o bem e o mal/ Só para definir quem tá brincando e quem é bem real", diz o refrão marcante. Apesar do maniqueísmo, a mensagem é clara: na vida louca da periferia, quem não for "real", autêntico, perde a sanidade.

Menos afiados no texto, o Z’África Brasil patina na tentativa de construir a ponte África-Brasil-Jamaica, com ênfase no engajamento social. Seu segundo álbum, Tem Cor Age, é uma verdadeira massaroca conceitual, que coloca no mesmo balaio Zumbi dos Palmares (o "zê" do Z’África é uma homenagem ao líder quilombola), Jah e regionalismo nordestino, entre outros bichos.

Musicalmente, porém, o grupo se impõe como um dos mais inventivos entre a turma que combina o rap com sonoridades terceiro-mundistas. O segredo, aqui, são as colaborações. Sem medo de experimentar, o DJ Tano e os MCs Gaspar, Pitcho e Funk Buia (este, um show à parte) abriram as portas do estúdio para colaboradores de diferentes escolas. Zeca Baleiro canta em "Rei do Cangaço". A revelação Céu "abençoa" "Quilombo Invencível". Fernando Catatau, líder da banda de rock Cidadão Instigado, empresta sua guitarra a "Zabumba de Gangazumba". A percussionista Simone Soul toca em várias faixas, assim como membros da Nação Zumbi. E a produção é assinada pela trupe do coletivo Instituto (que já trabalhou com nove entre dez artistas da nova geração), com pitacos do DJ Érico Theobaldo (ex-Fábrica Fagus).

Usando computadores ou instrumentos "de verdade", Mzuri Sana e Z’África Brasil são provas de que o rap é mesmo a música mais interessante que circula por aí. Inclusive no Brasil, onde a pose de mau e a retórica ingênua eclipsaram o movimento por longos anos – por razões mais sociológicas do que musicais, claro. Melhor ficar atento, porque essa turma vai longe.

* Mzuri Sana (www.myspace/mzurisana) – Ópera Oblíqua GGG1/2.

* ÜZ’África Brasil (www.myspace/zafricabrasil) – Tem Cor Age GGG1/2.

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