Como fazer o público rir por muito anos a fio

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Fazer rir é uma arte, e também um mistério. E, por anos a fio, como é o caso de muitas sitcoms – como são chamadas as séries cômicas de televisão nos Estados Unidos –, é uma tarefa ainda mais árdua e desafiadora. Para ensinar os fundamentos desse tipo de escritura, o roteirista norte-americano John Vorhaus estará em Curitiba, nos dias 3 e 4 de maio, ministrando o workshop Escrevendo Comédia.

Com um vasto currículo, Vorhaus foi roteirista de séries de grande sucesso, como Anos Incríveis (1988-1993), Um Amor de Família (1987-1997) e The Flash (1990-1991). Tem viajado ao redor do mundo, prestando consultoria, ministrando cursos e workshops e participando do processo criativo de séries em diversos países, da Nicarágua à Rússia. Também é autor do livro The Comic Toolbox: How to Be Funny Even If You’re Not (A Caixa de Ferramentas Cômica: Como Ser Engraçado Mesmo Quando Você Não É, em português), inédito no Brasil.

Em entrevista à Gazeta do Povo, concedida por e-mail, Vorhaus falou sobre a sitcom contemporânea, que passou por transformações nas duas últimas décadas. Se no passado tinham quase exclusivamente a função de fazer rir, sem recorrer a um arco dramático, hoje são mais híbridas, muitas delas atendendo pelo apelido de dramedies.

"Originalmente, as sitcoms tinham como objetivo fazer rir, sem se preocupar demais com fios narrativos. A série Friends foi muito longe no processo de mudança desse traço, prometendo ‘muitas risadas, mais histórias com as quais você se importa’. Criou um novo padrão, que passou a ser seguido. O recente desfecho da série How I Met Your Mother (exibida no Brasil pela Sony) mostra como uma única premissa narrativa pode manter uma série viva por muitos e muitos anos."

Na opinião de Vorhaus, o segredo do sucesso na televisão não está apenas em atender às expectativas do público, mas em estabelecer novas expectativas. Ele diz acreditar que ainda é possível uma sitcom sem elementos dramáticos dar certo, mas é preciso que os espectadores entendam a proposta do programa e o aceitem, queiram vê-lo.

Seinfeld

Além de Friends, Vorhaus cita Seinfeld como divisor de águas na história recente das sitcoms. "A série tornou a arte de contar histórias mais interessante e divertida tanto para o público quanto para os roteiristas. Quando comecei minha carreira, os roteiros eram muito engessados: três cenas no primeiro ato e outras três no segundo. Graças a Seinfeld, a estrutura das sitcoms foi libertada."

O roteirista também cita as versões britânicas de The Office (canal FX), que introduziram a noção de uma sitcom autorreflexiva, por meio da estrutura da "mosca na parede", emprestada do documentário, do cinema vérité. Esse recurso voltou a ser utilizado, por exemplo, na série Community, atualmente exibida no Brasil pela Sony Entertainment Television.

Friends, Seinfeld, The Office e Community são sitcoms exibidas nos Estados Unidos em canais abertos, Sujeitas, portanto, ao crivo da censura, por conta de serem destinadas ao público bem mais amplo, e indiferenciado, que atingem. Vorhaus também cita como inovadoras séries veiculadas na tevê paga, por canais como a HBO e o Showtime. Entre elas, cita Weeds (Multishow, no Brasil) e Veep (HBO). "Ao atingir um público mais adulto, que está disposto a pagar por um conteúdo mais sexy e desafiador, as sitcoms norte-americanas amadureceram."

Brasil

Ainda pouco familiarizado com as séries brasileiras, Vorhaus cita Mulher Invisível, produção da Rede Globo vencedora do Emmy Internacional, e Surtadas na Yoga (GNT), escrita e estrelada por Fernanda Young. "Vi apenas um episódio de cada, mas percebi que têm o que sitcoms devem oferecer: personagens atraentes em situações complicadas, cercadas de problemas e muitas piadas. Essas séries me deram a impressão de que o gênero está vivo e saudável no Brasil, e também sinalizam que programas ainda melhores poderão ser produzidos no futuro."