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O pagamento é até justo. Ser recebido no paraíso por dois anjos depois de uma vida de constantes humilhações, privada de cidadania e dignidade, pode recompensar à altura o supremo sacrifício de morrer em nome de uma causa. Essa é a promessa feita aos protagonistas de Paradise Now, caso levem a cabo sua missão extremada. O filme, um ousado thriller político que discute a tênue linha que separa fanatismo religioso, idealismo político e instabilidade emocional, tem a coragem de abordar um tema explosivo nos conturbados tempos atuais: como se "fabricam" os homens-bombas.

Said (Kais Nashef) e Khaled (Ali Suliman), melhores amigos desde a infância, integram uma pequena célula terrorista incrustada em Nablus, localidade da Cisjordânia. O grupo planeja seu primeiro atentado contra a população israelense em dois anos. E Said e Khaled são os escolhidos para cumprir a missão suicida.

Paradise Now, dirigido pelo israelense de origem palestina Hany Abu-Assad, a partir de um roteiro escrito a quatro mãos com o produtor holandês Nero Bayer, acompanha, passo a passo, os dois dias que antecedem o ataque. A trama tem início horas antes de os dois personagems serem comunicados por uma organização extremista não-identificada como os eleitos para executar a tarefa. Culmina 48 horas mais tarde em um desfecho que parece incerto até o último minuto de projeção.

Embora tenha, sem qualquer sombra de dúvida, um forte conteúdo político, o filme de Abu-Assad é, sobretudo, uma grande obra de suspense, daquelas que mantém o espectador tenso e sem fôlego do início ao fim.

Outro elemento fundamental da história é a sensação de paranóia que permeia a ação. Esse sentimento é perceptível em todos os lugares: nos becos da cidade palestina, no esconderijo onde o atentado é planejado, na fronteira com Israel e nos caminhos percorridos pelos protagonistas na tentativa de executar seu plano. Em momento algum, qualquer personagem parece estar em paz consigo mesmo. Nada mais natural numa região em conflito há décadas.

Levando-se em conta a recente eleição do grupo extremista (e terrorista) Hamas ao poder na Palestina, o intuito de Paradise Now de humanizar a figura do homem-bomba é corajosa, senão perigosa. Tanto que grupos judaicos mais conservadores chegaram questionar o fato de o filme ser identificado como representante da Palestina na corrida pelo Oscar, país que oficialmente ainda não existe.

Mas como A Queda, produção alemã indicada ano passado ao Oscar de filme estrangeiro, fez com Adolf Hitler, Paradise Now, também concorrente à estatueta, não teme iluminar espectadores menos informados sobre a face humana de figuras demonizadas pela mídia e pela história. Embora não seja um libelo pró-terrorismo, o filme consegue mostrar como funciona o psiquismo de seres humanos condenados a uma existência pela metade.

O personagem mais exemplar, nesse sentido, é Said, jovem mecânico que guarda no coração um trauma profundo: seu pai foi executado pelas autoridades palestinas, acusado de ter sido colaborador do governo de Israel. O estigma da traição o acompanha, embora tenha optado, desde muito cedo, a lutar pela causa de seu povo. Quando é informado da missão, Said começa a questionar a validade da violência como única forma de resistência, muito por conta da influência de Suha (Lubna Azabal), filha de um herói palestino que chega da Europa com um discurso mais conciliador, que deplora o uso do terrorismo como forma de resolução de conflitos. Khaled, por outro lado, aparentemente tem certeza da validade da missão. As posturas dos dois amigos, entretanto, vai mudando na medida em que o momento culminante do atentado se aproxima.

Ao mesmo tempo sutil e perturbador, Paradise Now merece todos os prêmios que já venceu e, caso ganhe o Oscar, será um marco da cinematografia mundial. Resta à Academia provar-se disposta a examinar as duas faces da moeda. Seria, sem dúvida, um ato de coragem. GGGG1/2

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