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O cientista e astrônomo Carl Sagan (1934-1996): clareza e carisma ao falar de ciência | Ilustração: Marcos Mello
O cientista e astrônomo Carl Sagan (1934-1996): clareza e carisma ao falar de ciência| Foto: Ilustração: Marcos Mello

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No ano passado, durante a Feira Literária do Sesc-PR, em Curitiba, Matinas Suzuki Jr., editor da revista Serrote, contrariando certas tendências negativistas que costumam dominar o ambiente jornalístico, afirmou perceber que parte da novíssima geração de profissionais brasileiros, em certas áreas, já saberia muito mais do que a própria geração que o formou.

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O conhecimento, na prática

Sem dúvida, o interesse do público leigo pela ciência parece crescer no Brasil, e uma prova disso seria o aumento do contingente de leitores aficionados pelo assunto. O bom número de livros editados e efetivamente vendidos, e a quantidade de revistas especializadas publicadas no país também passam, a um observador atento, uma impressão positiva de crescimento e melhora.

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Não é obrigatório, mas bastante apropriado, que uma conversa rápida sobre divulgação científica comece com uma citação, ou mesmo um tributo, a Carl Sagan. É impossível negar, claro, que o homem se tornou um clichê, um lugar-comum que, de cara, garante interesse e certa popularidade à leitura de um texto. Mas, a despeito do poder de observação de Nelson Rodrigues, nem toda unanimidade precisa ser burra. Por isso, é muito raro, ao ouvirmos especialistas da área de ciências mundo afora, para uma matéria acerca da "democratização" do conhecimento científico via mídia, não depararmos com o nome do célebre astrônomo e professor americano da Cornell University, morto precocemente em 1996, aos 62 anos.

O sucesso de Sagan se deve não apenas a seu carisma, ou à postura ética que, como figura pública, sempre assumiu e soube vender ao grande público, mas também à imensa objetividade de sua escrita e à clareza de seus programas de tevê. Isso se evidencia, por exemplo, já no subtítulo de um de seus livros mais notórios, O Mundo Assombrado pelos Demônios: "A ciência vista como uma vela no escuro", subscreveu Sagan. Ideia simples, reforçada pela máxima escolhida pelo autor para servir de epígrafe à obra: "É melhor acender uma vela do que praguejar contra a escuridão".

Uma metáfora, sim, mas aberta ao entendimento geral. A vela é a ciência; a escuridão, a ignorância nociva, o preconceito paralisante, o misticismo entorpecedor. Grosso modo, nesse clássico contemporâneo, Sagan nos alerta contra o seguinte perigo: um analfabeto científico — que creia em abduções por extraterrestres, astrologia, curas mágicas, cristais energizados e outros expedientes semelhantes — pode acreditar em qualquer coisa e, assim, ser facilmente enganado e manipulado. Por outro lado, diz o cientista, o equilíbrio e a soma de dois valores aparentemente antagônicos, o ceticismo e a admiração pelo mundo ao nosso redor, podem proporcionar benefícios em larga escala a toda a humanidade, crédula ou não.

O físico carioca Marcelo Gleiser, professor de Astronomia do Dart­mouth College, em New Hamp­shire, e autor de vários livros de divulgação científica para leigos — como A Dança do Universo, O Fim da Terra e do Céu e Criação Imperfeita —, é fã irrestrito de Sagan. "Para mim, ele foi o autor mais importante no seu gênero", afirma Gleiser. "E é também o meu favorito. Na tevê, abriu portas que antes permaneciam fechadas. A série Cosmos (especial em 13 episódios produzido por Sagan para a emissora norte-americana PBS, a partir de 1980) continua sendo a mais vista na história da televisão. E seus textos são excelentes." Gleiser, que, desde 1997, também assina uma coluna sobre ciência na Folha de S. Paulo, é realmente um entusiasta do formato inaugurado por seu mestre na mídia eletrônica. Em 2006, apresentou no programa Fantástico, da TV Globo, o quadro "Poeira das Estrelas", que, abordando a origem da vida e diversos outros assuntos ligados à astronomia, seguia de muito perto a cartilha de Cosmos.

Outro que não perde a oportunidade de celebrar Sagan é o paulista Salvador Nogueira, editor da revista Conhecer — versão brasileira da Knowledge, uma publicação da BBC — e autor de livros como Almanaque Jornada nas Estrelas e Rumo ao Infinito: Passado e Futuro da Aventura Humana no Espaço. "Se eu só pudesse citar uma pessoa, seria, sem dúvida, Carl Sagan", diz o jornalista. "Foi ele quem melhor conseguiu combinar paixão e razão na hora de divulgar a ciência, e, como em todas as atividades humanas, se uma dessas duas partes se perde, o resultado sempre fica aquém".

Um homem útil

Apesar de boa e até óbvia, a ideia de se acender a tal vela no breu é relativamente nova. Há muito poucas décadas, a ciência passou a se servir da mídia — e da imprensa, mais especificamente — para se fazer mais presente no cotidiano dos "não iniciados". A própria mídia, diga-se, é um fenômeno recente. Mas jornalismo e ciência, não obstante as tensões que sempre existirão entre as partes, parecem casar muito bem. Ambas as áreas trabalham com o conceito de investigação, com a busca de uma possível — ou, talvez, impossível — verdade acerca de determinados fatos; muito embora se afirme, hoje, que a descoberta da verdade representaria o fim da atividade científica, enquanto a imprensa costuma apregoar que a verdade nada mais é do que a essência do seu dia a dia.

Um ótimo exemplo, porém, de como jornalistas e cientistas podem se aproximar positivamente nos foi dado pelo americano H. L. Mencken, um dos mais céticos profissionais de imprensa da história, que, em 1919, escreveu: "Um dos homens mais úteis que a raça humana produziu até hoje é o pesquisador científico". Famoso por sua acidez cínica, Mencken foi comparativamente doce com o profissional da ciência: "Seu protótipo não é o do benfeitor que liberta seus escravos, nem o do bom samaritano que levanta os caídos, mas o de um sabujo farejando furiosamente em busca de infinitos buracos de ratos" (em tradução de Ruy Castro, para a Companhia das Letras). A analogia com um cão, espirituosa, não ofusca a admiração que o escritor cultivava pela estatura social do cientista, alguém que, para ele, estava longe de "prestar serviços de araque".

Gleiser também vê o cientista como alguém com uma função pública, acima de tudo. E é nesse ponto que se pode — ou mesmo se deve — utilizar da força da mídia. O cientista seria, dessa forma, obrigado a disseminar o seu conhecimento. "A ciência faz parte da nossa cultura e, em grande parte, define muitos de nossos valores", explica Gleiser. "E isso vai crescer cada vez mais. Portanto, a imagem do cientista como intelectual público deve ser parte da sociedade moderna. Richard Dawkins, por exemplo, é considerado o intelectual público número um da Inglaterra. Acho que os brasileiros têm um apetite enorme por essas questões. Além do mais, o país precisa desesperadamente de cientistas e engenheiros, para não ficar para trás nesse século."

A geneticista carioca Lygia Veiga Pereira, autora do livro Clo­­nagem: da Ovelha Dolly às Células-tronco, é da mesma opinião. "É direito de todos entender o que os cientistas estão fazendo. Primeiro, porque a população paga pela pesquisa científica", afirma Lygia, cuja equipe, no Instituto de Bio­­ciências da USP, foi pioneira na ex­­tração e multiplicação de células-tronco a partir de embriões congelados. "Depois, porque muitas delas nos levam a aplicações que podem modificar fundamentalmente a sociedade."

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