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Saiba mais sobre a trajetória de Amós Oz |
Saiba mais sobre a trajetória de Amós Oz| Foto:

"O velho coveiro disse, Qual a razão para tanto falatório? O sol já vai alto no céu, o homem branco que estava lá, ou que pensávamos estar lá, desapareceu do outro lado do pântano, ficar falando não adianta nada, um novo dia está começando, está muito quente e precisamos ir trabalhar. Quem pode trabalhar que trabalhe e sofra em silêncio. E quem não pode que vá em frente e morra. Isso é tudo."

Trecho de Cenas da Vida na Aldeia, de Amós Oz, traduzido por Paulo Geiger

  • Oz: um dos grandes escritores da atualidade, sempre cotado ao Nobel

Amós Oz é um caso de escritor incapaz de produzir um texto mal-feito. Philip Roth, J.M. Coetzee e Ian McEwan fazem parte do mesmo time. Todos eles, individualmente, são, por exemplo, capazes de fazer descrições surpreendentes. É possível afirmar que, ao escrever um novo texto, Oz, Roth, Coetzee e McEwan reinventam a roda.

Ler uma cena de sexo, escrita por Roth, é ter acesso a uma experiência praticamente inédita, ao mesmo tempo em que a situação apresenta muita verossimilhança com a realidade. Os escombros de uma guerra, pela ótica de McEwan, parecem reais e ao mesmo tempo sugerem cenas nunca antes presenciadas pelo ser humano. A África do Sul, via texto de Coetzee, é praticamente um "planeta desconhecido", em comparação com tudo o que foi escrito sobre o país antes de o autor, condecorado com o Prêmio Nobel, falar sobre sua terra natal.

Amós Oz, por sua vez, é um escritor que mostra, por meio de sua ficção, que todos os sentimentos do mundo cabem dentro de uma pequena vila. Cenas da Vida na Aldeia, o seu mais recente livro, é todo ambientado em um vilarejo, que pode ser a representação literária de Arad, no deserto do Neguev (Israel), endereço do autor.

A complexidade de Oz

Na literatura desse escritor complexo, nada é apenas o que aparenta ser. A primeira impressão, no que diz respeito à produção ficcional de Oz, sempre engana. O texto comporta vários sentidos, múltiplas camadas.

Classificar o mais recente livro, Cenas da Vida na Aldeia, revela-se um desafio. Catalogada como romance, a obra pode ser lida, e entendida, como uma seleção de contos, pois reúne oito breves narrativas que funcionam individualmente e, em conjunto, também compõem um painel.

Kafkiano e orwelliano

O primeiro fragmento ou conto do livro, "Os Que Herdam", apresenta o protagonista, Arie Tselnik, em uma situação kafkiana: ele pretende vender a casa e o terreno da fa­­­mília, mas nunca verbalizou esse projeto. Um dia, ele recebe a visita de um desconhecido, que chega com um papel nas mãos: é o documento, com muitos detalhes, autorizando a venda da casa e do terreno de Tselnik. O personagem fica perplexo: não sabe como o desconhecido conseguiu saber o que se passava em seu imaginário.

Esse enredo é uma alusão ao poder que o estado pode ter, de até mesmo sondar o que se passa "dentro da cabeça" de um indivíduo, a exemplo do que se lê no romance 1984, de George Orwell.

O texto de Oz também dialoga com O Processo, de Franz Kafka, romance em que o protagonista e narrador, Josef K., tem a sua trajetória transformada a partir do momento em que entra em rota de colisão com funcionários, e ordens, do governo.

No conto, ou fragmento, "Os Que Cavam", o personagem Pes­­sach Kedem tem certeza absoluta, apesar de não conseguir provar, de que durante a noite inimigos cavam embaixo de seu quarto, com a finalidade de invadir e tomar conta de sua casa, sua única posse e canto no mundo. O metafórico enredo foi a maneira que Oz encontrou para mostrar como, para muitos, pelo menos para o personagem Kedem, viver é estar em constante estado de alerta, desconfiança e medo.

Serviço

Cenas da Vida na Aldeia. Amós Oz. Companhia das Letras, 182 págs., R$ 30.

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