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Vídeo:| Foto: Reprodução RPC TV

O homem

• Eugene O’Neill nasceu em um quarto de hotel da Broadway no dia 16 de outubro de 1888, na cidade de Nova Iorque.

• Venceu o Prêmio Nobel de Literatura em 1936.

• Longa Jornada Noite Adentro, considerado sua obra-prima autobiográfica, foi escrito no fim de sua vida. O autor deixou instruções para o que o texto só viesse a público 25 anos depois de sua morte, mas a viúva, Carlotta, conseguiu permissão para publicá-lo em 1956.

• O’Neill foi sogro de Charles Chaplin e não se orgulhava nem um pouco disso. Chegou a deserdar a filha, Oona – última esposa do criador de Carlitos –, e nunca mais voltou a falar com ela. Quando casaram, Chaplin tinha 54 anos e Oona, 18.

• Introduziu no teatro americano o realismo concebido por Anton Tchekhov, Henrik Ibsen e August Strindberg.

• O autor teve várias tragédias ligadas à sua família. A mãe era viciada em morfina. O irmão, Jamie, morreu em decorrência do alcoolismo aos 45 anos. Seus dois filhos, Eugene Jr. e Shane, cometeram suicídio.

• O’Neill parou de escrever por conta de um tremor violento que tomou conta de seu corpo, semelhante a um doente de Parkinson. Tentou ditar textos, mas não conseguiu se adaptar.

• Morreu, também num quarto de hotel, em Boston, no dia 27 de novembro de 1953, vítima do que foi definido mais tarde como um tipo de atrofia cerebral.

Quando você entrar na Zona de Guerra, de Eugene O’Neill, pode pensar que está diante de uma peça para macho. Não por acaso.

Adaptado pela Cia. Triptal, o texto da tetralogia Homens ao Mar estréia hoje dentro da Mostra Oficial no Festival de Teatro de Curitiba.

Um jovem decide trabalhar como marinheiro para escapar de problemas – a sinopse não deixa claro quais são – e embarca em um navio cargueiro levando consigo uma caixa preta. Pouco a pouco, o personagem e a tal caixa afetam o humor da tripulação, que passa a desconfiar dele ao ponto de considerá-lo um espião a serviço dos alemães.

O navio contrabandeia munição dos EUA para a Inglaterra durante a Primeira Guerra Mundial, transitando pela zona de conflito. Se um submarino alemão conseguir atingi-lo com um torpedo, o cargueiro explode tal qual um barril de pólvora. Daí a paranóia e o medo consumirem os marujos lentamente.

John Ford pegou as quatro peças de O’Neill, escritas entre 1914 e 1917, e transformou no filme Longa Viagem de Volta (1940), protagonizado pelo herói John Wayne, o que reforça a impressão de Zona de Guerra como uma peça ligada ao universo masculino.

"O’Neill não tem heróis. Seus personagens são todos fracassados", diz André Garolli, responsável pela direção e pela adaptação da montagem paulista. À época, o dramaturgo teria ficado insatisfeito com a versão de Ford e pediu para tirar seu nome dos créditos, alegando que o cineasta ignorou ambigüidades presentes nos textos originais. Com o sucesso da produção – e porque, de bobo, O’Neill não tinha nada –, mandou recolocarem seu nome.

"Grande parte dos dramas escritos por O’Neill abordava a condição de alguns homens que ele conhecia bem, especialmente aqueles ligados ao mar. Quase sempre, esses homens se alimentavam de sonhos que não conseguiam realizar, pois os caminhos escolhidos conduziam ao fracasso", lembra Garolli. O dramaturgo escreveu sua tetralogia e outras quatro peças do chamado Ciclo do Mar inspirado nas experiências que teve como marujo, época em que quase morreu vítima da depressão e do alcoolismo.

Este é o segundo trabalho de O’Neill montado pela Cia. Triptal. O primeiro, Rumo a Cardiff (2006), conquistou o prêmio Shell de melhor cenário. O próximo será Longa Viagem de Volta para Casa, planejado para estrear até outubro próximo. Quando o grupo montar Luar sobre o Caribe, fe-chando a série Homens ao Mar, o plano é fazer o que Garolli define como "trabalho cirúrgico de dramaturgia", unindo os quatro episódios – independentes um do outro –, como John Ford fez para o filme.

Os bastidores

O diretor ministrava o curso de iniciação teatral do grupo Tapa, em São Paulo, quando se surpreendeu diante de uma turma em que o número de alunos superava – e muito – o de alunas.

Depois das aulas, virou rotina para o grupo jogar bola no estacionamento do teatro Arthur Azevedo, local onde aconteciam as aulas. Em uma dessas tardes de sábado, Garolli sugeriu aos marmanjos uma alternativa ao futebol: dar início ao estudo de uma peça.

A escolha de Eugene O’Neill (1888 – 1953), Nobel de Literatura em 1936 e autor da obra-prima Longa Jornada Noite Adentro, foi conveniente. As peças que compõem Homens ao Mar tem vários personagens masculinos em cena. Em Rumo a Cardiff eram sete. Em Zona de Guerra, nove. E não há nem sombra de mulheres – o que pode tornar o espetáculo tão atraente para o público feminino quanto uma partida de futebol o é.

Na verdade, o enredo é mais sutil e sensível do que pode parecer.

O maior interesse de Garolli na história está ligado à possibilidade de escrutinar a convivência entre homens. Os nove personagens aparecem confinados em um alojamento da embarcação durante todo o ato. O que explica a necessidade de encená-lo em um espaço pequeno. No Sesc Avenida Paulista, em São Paulo, a platéia era de 50 pessoas no máximo. "É importante que a platéia se sinta dentro do navio", afirma o diretor, que veio a Curitiba três dias antes de seu grupo para conferir as características do Barracão, palco da montagem, e pensar numa forma de "construir a proximidade com a platéia".

Quando conversou com o Caderno G na última segunda-feira, por telefone, ele já tinha fotos do local e admitiu estar entusiasmado com o desafio de encarar uma platéia duas vezes maior – o Barracão tem capacidade para cem pessoas. O cenário é todo construído com chapas de ferro marcados por ferrugem que procuram transmitir a frieza e a insalubridade de um navio cargueiro do início do século passado.

Animais

Embora fosse um católico ferrenho e não estivesse especialmente preocupado com relações amorosas homossexuais, O’Neill aborda em suas obras o que Garolli, citando Mário Prata, define como um tipo de ternura, o "homem-ternurismo". "Eles (os marinheiros) podem se odiar, mas na hora da tempestade, todos se ajudam."

Pela ficha técnica da peça, pode-se deduzir que um dos maiores trunfos de Zona de Guerra é a preparação de atores. Um grupo de profissionais foi montado para trabalhar questões ligadas à percepção, ao corpo e à voz.

"A composição física dos atores é inspirada em animais, mas não interessa fazer o bicho e, sim, trazer características do bicho para o humano", explica Garolli. Os personagens emprestam modos de rato, fuinha, gorila, leão e preguiça.

Sozinhos e isolados, os marujos vão se brutalizando, perdendo princípios de civilidade e adotando atitudes infantis e animalescas. "É a Síndrome da Caverna", define o diretor. Sem contato com a civilização, os homens tendem a experimentar uma espécie de regressão.

Todas as peças da tetralogia – ela mesma parte do Ciclo do Mar, formado por oito obras – têm apenas um ato e foram um exercício de dramaturgia em que O’Neill testa suas habilidades de escritor. Os textos são "falhos" e "abertos", semelhante a "rascunhos". Justamente o que fascina Garolli. Com tradução de Fernando Paz, a peça desrespeita uma das convenções caras ao teatro – a que manda começar um espetáculo com poucos personagens em cena. As cortinas se abrem e há um bando de atores no palco, o que pode deixar o público perdido, sem saber quem seguir – um desafio de adaptação.

Conexão

O medo e a paranóia retratados por O'Neill são, na opinião do diretor, os elementos que respondem pela atualidade da peça, mostrando inclusive "como o medo pode ser uma ferramenta para se impor alguma coisa". Para citar um paralelo possível, a trama tem um espião, figura equivalente ao terrorista no mundo de hoje.

O medo de que fala Garolli é uma sensação quase onipresente em cidades grandes (ou nem tão grandes). É a paranóia de não relaxar enquanto está parado em um sinal vermelho ou a de apressar o passo quando pressente alguém próximo demais nas suas costas.

O receio de nunca mais pregar os olhos.

Serviço: Zona de Guerra. Barracão (R. Mateus Leme, 2.926). Hoje, amanhã e terça, às 20h30. Ingressos a R$ 26 e R$ 13.

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