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Em We Need to Talk about Kevin, Tilda Swinton é uma mãe que tem problemas com o filho desde a infância | Divulgação
Em We Need to Talk about Kevin, Tilda Swinton é uma mãe que tem problemas com o filho desde a infância| Foto: Divulgação

CANNES, FRANÇA - We Need to Talk About Kevin (baseado no livro Precisamos Falar sobre o Kevin, de Lionel Shriver), de Lynne Ramsay, passou lá atrás, no segundo dia do Festival de Cannes, mas desde então Tilda Swinton ocupou um dos lugares entre as favoritas ao prêmio de melhor atriz, que será anunciado, como os demais troféus, inclusive a Palma de Ouro, na noite deste domingo. A talentosa Swinton interpreta Eva, a mãe que tem problemas de relacionamento com seu filho desde o nascimento. As coisas evoluem mal, até que, adolescente, Kevin provoca um massacre na sua escola. O filme mostra as reminiscências da mãe, que se culpa e tenta entender o que se passou. Apesar de sua imagem quase glacial, Tilda Swinton foi para lá de bem-humorada na entrevista em mesa-redonda da qual a Gazeta do Povo participou:

A culpa é sempre da mãe?

Claro! (risos) É sempre culpa da mãe! Próxima pergunta! (risos)

Gostei do filme porque ele mostra como não obrigatoriamente você ama seu filho incondicionalmente desde o primeiro segundo. É algo que as pessoas negam. Como entrou nesse assunto, sendo mãe?

Eu lembro que, quando li o livro, me senti tão feliz de alguém ter investigado esse tabu. Me recordo de, quando meus filhos – tenho gêmeos – nasceram, ter realmente embarcado na experiência. No momento em que os conheci, me lembro de ter pensado: "Nossa, eu realmente estou curtindo isso! Realmente vou achar fácil amar vocês!". Mas tenho consciência de que poderia ter sido diferente. Naquele instante, percebi que tinha sorte. Não tinha me ocorrido antes que poderia ser o caso, mas há depoimentos de milhões de mulheres para quem simplesmente não acontece, é como um botão que nunca é ligado. E a culpa e a vergonha com as quais têm de conviver! É um tabu do qual não se fala. Ao mesmo tempo, acredito que o amor é uma atividade, não é um sabor ou estado de mente. Você realmente pode aprender a amar.

Acredita que pode nascer mau?

Tenho dificuldade com o conceito de maldade. Quando conversei com a diretora Lynne Ramsay, falei que o filme era mais sobre a prática de criar um filho. O Bebê de Rosemary é sobre a prática de estar grávida. Está na cabeça de toda mãe passar por algo como Rosemary ou, especialmente se for mãe de um filho, que ele seja um monstro. Faz parte do negócio. É um cenário de pesadelo, mas sempre passa pela cabeça. E esse é um filme de horror, uma história de amor e um filme de guerra. Não é um documentário nem nenhum tipo de comentário social. Estava pensando recentemente sobre o conceito de mal e, para mim, é uma construção social. Talvez seja importante para a sociedade, que precisa de um sistema judiciário, ter esse conceito, para que a sociedade possa julgar algo de fora de si mesma.

Acha possível criar nossos filhos sem as definições de bem e mal que você encontra nos contos de fada?

Na minha experiência, sempre está implícito em contos de fada que você saiba que são contos de fadas. Acho que essas histórias falam com a psique, e mesmo um ser humano jovem sabe que há uma construção e que a vida é muito mais complicada. E à medida que envelhecem, é encontrar os cinzas. Você pode usar o branco e o preto como uma espécie de guia, como quando você está dirigindo à noite e usa os olhos de gato na estrada para mantê-lo na estrada, mas você não está mirando neles, está só tentando ter um limite. Mas não acho que esses limites sejam internos, para mim são externos.

Esse tipo de papel da mãe desesperada, da mulher desesperada, parece perfeito para você, neste, em Julia e Eu Sou o Amor.

Vai ser uma caixa de DVDs! Esses três filmes são filmes que eu desenvolvi. Que foram construídos a partir das relações com os diretores e do momento que estou vivendo. Apesar de ser mãe, eu honestamente não acho que tem muito a ver, acredito que estaria interessada de qualquer maneira. Talvez tenha mais a ver com o fato de eu ter uma mãe. Eu sou uma filha. E isso me faz me interessar por esses personagens. Estou genuinamente interessada nessa observação de que a comunicação com outras pessoas é realmente difícil. E conhecer outras pessoas é o mistério da vida, saber o que a outra pessoa está pensando é impossível.

Por que é tão difícil uma pessoa conhecer a outra?

Porque cada um está vivendo sua individualidade. Mas os encontros são belos e fundamentais para mim. Se há qualquer tipo de cumplicidade, é para celebrar, porque muito raro.

Poderia falar de sua cumplicidade com a diretora Lynne Ramsay?

Lynne e eu nos conhecemos por algum tempo e, mesmo antes, éramos companheiras de viagem não apenas por sermos escocesas, mas por virmos da mesma sensibilidade cinematográfica. Sempre quisemos trabalhar juntas. Eu a adoro. Temos uma conversa sobre cinema permanente que seria interessante de qualquer maneira, mesmo que não rodássemos um filme. Essa foi a primeira oportunidade de trabalharmos juntas.

Como foi a dinâmica com John C. Reilly? Ele contou que estava com medo de interpretar seu marido, estava intimidado.

Por quêêê? (faz um bico, brincando) Ele nunca me contou isso! Ele parecia perfeito. Precisávamos de um equilíbrio, o filme é construído como uma tragédia grega. Sabíamos que esses três personagens teriam de ser bem equilibrados. Para o marido, precisávamos de alguém superamericano. Ele é uma presença extremamente humana.

O filme tem um alto grau de proximidade com a realidade, mesmo tratando de um caso extremo, porque todas as crianças são manipuladoras.

E todos os pais manipulam seus filhos e tentam jogar seus filhos contra os outros. É difícil a dinâmica familiar, a questão da autenticidade numa família. Todos sabemos, com nossos pais, irmãos, filhos, como é difícil ser verdadeiro. Não importa quão sofisticados sejamos, sabemos como é duro sermos nós mesmos com nossos pais. Tem a ver com o sentimento de transferência, com quão difícil é quando ouvimos que somos iguais a nossos pais. O sentimento de ser filho de peixe, farinha do mesmo saco.

Uma amiga que é mãe achou muito difícil de assistir e que as mulheres sem filhos gostam mais porque pensam "ainda bem que não tenho". Você acha que é assim mesmo?

Eu não sei. Conversei com muitas mães e pais, e eles acham o filme catártico. Parcialmente porque suas experiências não devem ser tão más quanto a da mãe no filme (risos). Acho que Lionel Shriver escreveu o livro numa busca pessoal para decidir se teria filhos ou não. E ela decidiu não ter. A humanidade e a mortalidade são um negócio sério, tenha você filhos ou não. Você precisa viver com as consequências de ter um filho e precisa viver com as consequências de não ter um filho. Não há saída para ninguém, precisamos lidar com isso. Não acho que seja para gente que tem filhos ou não. É uma fantasia, um conto de fadas.

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