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Você é um adolescente e quer ser escritor. Chega a produzir um romance e consegue publicá-lo antes dos 20 anos, dividindo as despesas com uma editora pequena. Mas o resultado sai diferente do que havia imaginado – como costuma acontecer com as coisas que se deseja demais. Por um motivo qualquer (ou por vários), decide abandonar a carreira. Mantém contato com a literatura – lê tudo o que consegue –, mas deixa de escrever. A urgência não existe mais.

Resolve estudar teologia e se obriga a trabalhar em empregos que o deprimem. "Quando deixo de escrever para fazer outra coisa, sinto como se fosse uma queda", pensa. Nesse ponto, por volta dos 35 anos de idade, a urgência reaparece. Depois de transitar pela poesia, renega o primeiro romance, cria outro e, com ele, vence um prêmio importante, embolsa R$ 15 mil e tem a publicação do livro garantida "por uma editora de projeção nacional". Esse é um resumo grosseiro da carreira literária de Otto Leopoldo Winck – a notícia do momento nas letras locais. Afinal, sangue novo não surge todo dia (ou surge?) e menos ainda entram no mercado editorial pela sala de visitas.

Quem abriu a porta da frente para Winck foi a Academia de Letras da Bahia quando deu a Jaboc o Prêmio Nacional ALB. O romance de mais de 300 páginas que seria mutilado em qualquer editora conscienciosa – poucos se arriscariam a bancar a estréia de um autor com livro desse tamanho – deve ser publicado ainda este ano por uma editora a ser definida pela Braskem, indústria petroquímica que patrocina o evento. O Caderno G publica um trecho do romance com exclusividade (confira nesta página). O vencedor do ano passado, Dedal de Areia, do poeta Antonio Brasileiro, acaba de ser lançado pela Garamond.

Indagações

O nome Jaboc faz referência a uma região da Palestina. Na história, serve de metáfora em um final surpreendente. A ação transcorre em 2002, ano de Copa do Mundo e de eleições. O protagonista – de quem não se sabe o nome – é um escritor que elabora um romance ao mesmo tempo em que questiona a validade de seu intento, pois vive em uma sociedade onde imagens sobrepõem palavras e, pior, em um país periférico de poucos leitores. A maior distinção para um escritor brasileiro talvez seja ver sua obra virar referência em apostilas de língua portuguesa. "Não vale a pena abandonar a vida pela literatura", diz um dos personagens da história.

Para Winck, escrever é muito mais um ato de articular indagações do que de buscar respostas. Ao invés de dizer qual é o "sentido da vida" – tarefa a que se lançam certos livros de auto-ajuda –, a literatura pode mostrar de que forma outras pessoas fazem questionamentos semelhantes. Nas palavras do escritor Hélio Pólvora, um dos jurados do prêmio da ALB, o protagonista sem nome de Winck é uma figura "intoxicada de literatura". Como em Se um Viajante numa Noite de Inverno, de Ítalo Calvino, não demora para o leitor perceber o livro dentro do livro. "O romance em curso – digamos, a parte exposta do iceberg – vem a ser invadida, subvertida e sabotada por outro que se vai erguendo do tronco principal. (...) No fim, permanece apenas um – ou então os dois romances assumem a forma de uma só moeda de duas faces assemelhadas e dessemelhantes", escreveu Pólvora sobre Jaboc.

Nostalgia

Carioca nascido em 12 de janeiro de 1967, Winck viajou para Porto Alegre dois anos depois "na bagagem dos pais". Em 1982, o emprego do pai na Casa das Correntes o trouxe a Curitiba e aqui ficou. Hoje, fechado e tímido como qualquer curitibano e sem qualquer nostalgia do mar, é bolsista no mestrado em estudos literários da Universidade Federal do Paraná. Sua dissertação trata da obra do escritor paranaense Jamil Snege (1939 – 2003), autor de Tempo Sujo.

Winck publicou Flor de Barro (1987), renegado por ser "prematuro e imaturo", e mantém o livro de poesia Fragmentos de Caos ou Mosaico, escrito mais de dez anos depois, na gaveta. Jaboc surgiu em 2002 na forma de conto sob o título "Educação de Sísifo". Enquanto o escrevia, percebeu que o enredo tinha fôlego para mais. Passou três anos desenvolvendo a idéia quase diariamente. Como não tinha computador, papel e caneta foram os instrumentos de trabalho. Contando todas as vezes que teve de passar o texto a limpo até pagar alguém para digitá-lo, calcula que escreveu à mão o romance inteiro pelo menos cinco vezes (ou 1,5 mil páginas).

Terminou Jaboc pouco antes de expirar o prazo de inscrição na ALB, dia 31 de outubro passado. Quase quatro meses depois, em 20 de fevereiro, um telefonema contou que havia vencido. O telegrama da ABL viria dias depois. Estava em Salvador na terça-feira passada para receber o prêmio. "Ainda não me acostumei com essa celebridade instantânea", diz Winck, que espera criar histórias capazes de explorar o que há de subentendido no "cotidiano inglório" das pessoas. "Qualquer história banal pode virar um bom livro."

Escrito assim, parece simples.

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