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Ao longo do tempo, João Falcão vem conjugando as funções de dramaturgo e diretor, acúmulo perpetuado agora no musical Gonzagão – A Lenda, concebido para homenagear Luiz Gonzaga no centenário de seu nascimento. A qualidade das músicas, a adesão do elenco e a vibração da cena credenciam esse espetáculo brasileiro por excelência que sublinha certas opções no que se refere à configuração da cena.

Uma das características mais evidentes na encenação de João Falcão é o palco limpo, que permanece assim durante boa parte da apresentação. Os atores entram trazendo os elementos referentes a cada cena e os levam embora ao final da passagem (cenografia e adereços a cargo de Sergio Marimba). Os músicos (direção musical de Alexandre Elias) emolduram esse espaço "vazio" por onde transitam os atores trajados em figurinos (de Kika Lopes) sempre criativos, que surpreendem sem apelar para o esfuziante.

As tonalidades neutras imperam – com exceção de poucos momentos, como o do passional reencontro entre Gonzagão e Gonzaguinha. Contrastando com essa neutralidade, a iluminação (de Renato Machado) preenche a amplidão do palco do Sesc Ginástico com cores fortes (vermelho) – ou conferindo intensidade a tons frios (azul) – sobrepostas a uma cortina rendada ao fundo.

Diante de um painel tão inventivo, Gonzagão confirma que a dramaturgia permanece como um terreno delicado no campo do musical, apesar, claro, do caráter generalizante dessa afirmação. Sem a intenção de fornecer uma biografia convencional do rei do baião (o que, em princípio, é uma disposição louvável), João Falcão investe num texto que corre bastante acelerado na sua primeira meia hora, sem fornecer ao espectador indicações precisas e, ao mesmo tempo, sem subvertê-las. A partir do momento em que a situação-base da companhia de teatro é inserida, o texto, sem chegar a se tornar exatamente didático, fica um pouco mais "palpável", especialmente devido à "subtrama" da atriz disputada por todos os integrantes do grupo.

Mas a fragilidade dramatúrgica é – pelo menos, em parte – compensada pela entrega dos atores, que revelam domínio técnico comprovado no emprego de registros vocais destoantes (graves e agudos), colocados a serviço do humor. Determinadas cenas de conjunto, como aquelas em que músicas como Sabiá e Tem Pouca Diferença são entoadas, resultam bastante satisfatórias.

Gonzagão – A Lenda surge como um bem-sucedido musical brasileiro numa época em que muitas montagens do gênero priorizam a busca por equivalência em relação ao padrão americano. O risco, nesse caso, é o do trabalho se tornar impessoal, engessado, armadilha da qual escapa o espetáculo de João Falcão.

* Daniel Schenker é doutorando da UNIRIO, crítico do blog "Questão de Crítica".

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