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Marchinhas renovadas

O carioca Sérgio Cabral pai (o filho é o governador do Rio de Janeiro) é jornalista, crítico musical, pesquisador, escritor e compositor. Foi um dos fundadores do Pasquim, em 1969. Hoje, não exerce mais o jornalismo, por conta de sua atuação como conselheiro do Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro. Mas, ainda escreve livros – concluiu há pouco a biografia sobre o ator Grande Otelo, que será publicada em maio. Abaixo, ele fala sobre o espetáculo e o CD Sassaricando, que idealizou com a historiadora Rosa Maria Araújo.

De 1920 a 1970 as marchinhas mudaram muito?Sérgio Cabral – Ah, mudaram. Havia uma época em que as letras eram muito grandes. Elas foram diminuindo com o passar do tempo. Há letras como "Foi ele/foi ele, sim/foi ele que jogou o pó em mim". E acaba a música.

É possível transferir a marchinha para os tempos de hoje? É possível, sim. As pessoas dizem que não há mais carnaval, mas só de blocos de carnaval registrados na cidade do Rio de Janeiro temos 300. Quer dizer, são milhões de pessoas que brincam o carnaval, grande parte cantando marchinhas de todos os tempos. Um deles, o bloco Boi-tatá, está até escondendo o horário de desfile porque já houve 50 mil pessoas assistindo. E o repertório básico é marchinha.

O samba ficou mais pobre depois dos anos 70?Eu acho que a música de carnaval entrou em decadência a partir daí, não adianta esconder. Atribuo isso a muitos fatores. O carnaval de 1937, por exemplo, teve quase mil músicas. Quem ia ouvir tudo isso? Quer dizer, houve um estrangulamento. Você só tinha acesso a elas pelo rádio, e começou certa corrupção de gente comprando horário. A coisa ficou desmoralizada de tal maneira que os grandes compositores deixaram de participar. Além disso, o cantor de rádio, de voz forte, deixou de existir.

Repare nas letras.

"Sassaricando/Todo mundo leva a vida no arame/sassaricando/a viúva o brotinho e a madame."

"Olha a cabeleira do Zezé/Será que ele é?/Será que ele é?"

"Yes, nós temos bananas/Bananas pra dar e vender/Banana menina tem vitamina/Banana engorda e faz crescer."

Os trechos destas mais do que conhecidas marchinhas de carnaval falam da malandragem carioca, do preconceito contra homossexuais e da situação econômica do país. São "verdadeiras crônicas, elas contam a história da cidade e as qualidades e defeitos de seu povo, quase sempre sem abrir mão do deboche e da malícia", conta o jornalista Sérgio Cabral.

Durante um ano, ele e a historiadora Rosa Maria Araújo embrenharam-se em uma missão que só mesmo dois cariocas poderiam empreender: ouviram mais de 1.400 marchinhas. O trabalho de pesquisa deu origem ao espetáculo Sassaricando, em cartaz no Sesc Ginásio, no Rio de Janeiro. A montagem vem a Curitiba como parte da mostra oficial do Festival de Teatro de Curitiba, e fará apresentações nos dias 26 e 27 de março, no Guairão.

À medida que ia se familiarizando com as letras, a dupla classificou 400 marchinhas e selecionou cem para compor o espetáculo e um CD duplo lançado pela gravadora Biscoito Fino. O repertório abrange canções que vão da década de 20, quando as marchinhas ganharam força, até 1970, período de sua decadência.

Os pesquisadores dividiram as músicas selecionadas em dez blocos temáticos, que revelam o papel de cronistas de seus compositores – elas tratam de casos de amor, problemas de moradia, guerra, transportes, política, gastronomia, modismos e da própria cidade. "Descobrimos, por exemplo, que o carioca é preconceituoso. É o que revelam marchinhas como 'Maria Sapatão' ou 'Cabeleira do Zezé', um preconceito contra os gays", conta Cabral.

O elenco do espetáculo, no dizer de Cabral, "é uma espécie de seleção brasileira dos espetáculos musicais": Eduardo Dussek, Soraya Ravenle, Pedro Paulo Malta, Alfredo Del Penho, Juliana Diniz e Sabrina Korgut, sob o comando de Luís Filipe Lima, interpretando as marchinhas de grandes compositores. A homenagem faz jus à "santíssima trindade do gênero: João de Barro (Braguinha, falecido em dezembro), Lamartine Babo e Haroldo Lobo.

A volta das marchinhas

Quem acha que o Carnaval anda fora de moda, não viu o entusiasmo com que o público carioca vem recebendo iniciativas que trazem de volta a marchinha. Sassaricando tem casa lotada até 18 de março, data da última apresentação do espetáculo.

O gênero anda renovando até mesmo sua temática. Sérgio Cabral foi um dos jurados do 2.º Concurso Nacional de Marchinha, organizado pela Fundição Progresso, no Rio de Janeiro, e ouviu 1.112 marchinhas de 20 estados brasileiros. Algumas delas falam de Bin Laden e Viagra.

A vencedora do festival, para despeito dos cariocas, foi a paulista Bete Bissoli, com uma música em homenagem à Carmen Miranda. Prova de que o espírito carnavalesco se mantém não só no Rio e na região Nordeste, mas em todo o país. "Está lá no teu inconsciente de brasileiro", diz Cabral.

O velho gênero das marchinhas vem sendo retomado até mesmo em Curitiba, onde já não se faz carnaval como antigamente. O grupo Maxixe Maxine abriu ontem o desfile dos blocos da cidade, na Rua Cândido de Abreu, tocando uma marcha-rancho que embalou a passagem de 300 velhinhos do bloco Rancho das Flores. Em 2004, o grupo lançou o CD Folias de Momo, com 17 marchinhas gravadas ao vivo, em um baile de carnaval organizado na extinta Sociedade União Juventus.

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