
Quem passa com frequência diante da Casa Romário Martins, no Largo da Ordem, certamente já parou para ler as charges bem-humoradas do paranaense Alceu Chichorro (1896-1977) plotadas nos tapumes que, ao longo de um ano, cercaram o espaço em reforma.
Depois da reabertura da casa, no dia 26 de março, é hora de saber mais sobre aqueles desenhos do início do século petardos irreverentes lançados não só contra líderes políticos como Hitler, Mussolini e Getúlio Vargas, mas contra "modernidades" como o carro, o bonde elétrico e o gramofone e até mesmo as mulheres, que começavam a a se instruir, trabalhar e se divorciar.
As charges e caricaturas em preto-e-branco de Chichorro e não cachorro, como esclarece o vídeo de 15 minutos Cachorro, Não!, projetado no espaço são o destaque da mostra Factos da Actualidade: Charges e Caricaturas em Curitiba, 1900 1950. A reunião de mais de cem charges e caricaturas da metade do século 20 são uma síntese do estudo de mesmo nome publicado pelas pesquisadoras da FCC, Aparecida Vaz da Silva Bahls e Mariane Cristina Buso, sob a forma de edição especial do Boletim Romário Martins que volta a ser publicado com a reabertura da casa.
A pesquisa, iniciada em 2006, propõe um passeio pelo modo como os curitibanos pensavam e se comportavam por meio das charges e caricaturas que circulavam nas revistas locais. De títulos, aliás, divertidíssimos como O Olho da Rua, A Bomba, Prata da Casa e O Jazz. Alguns exemplares originais, além das plotagens nas paredes, podem ser conferidos em duas vitrines. "É possível perceber a evolução das charges, e também das revistas", conta Aparecida.
Ao entrar na casa, o visitante se depara com as únicas imagens do século 19 consideradas pelo colecionador Newton Carneiro, em seu livro O Paraná e a Caricatura, como os primeiros exemplares de caricatura no Brasil. São reproduções de aquarelas de João Pedro, o Mulato, que satirizavam aspectos da vida colonial. "Mas pouco se sabe sobre este pintor", conta Aparecida.
Eloy, Sá Christão e outros pseudônimos
O Olho da Rua (1907-1909) era uma revista dedicada com afinco ao anticlericalismo. "Os chargistas eram associados à maçonaria e denunciavam, principalmente, a intromissão da Igreja em assuntos do governo", conta a historiadora. Não faltam charges de padres gordos e dados a fanfarronices.
Hoje, Benett, Paixão e outros cartunistas curitibanos podem assinar sem medo seus sobrenomes embaixo de sátiras. Mas antes era mais seguro usar pseudônimos alguns engraçados como Sá Christão e K. Brito. Alceu Chichorro assinava livros como Eloy de Montalvão e charges como Eloy, sobrenome de sua mãe. "Ele chegou a ser preso entre as décadas de 40 e 50", conta Aparecida.
Desde que passou a editar O Jazz, na década de 20, Chichorro "desferia" charges sobre o regime nacional-nazista, as manobras de parlamentares brasileiros, o Estado Novo e... a mulher. Em uma delas, intitulada "Não seja indiscreto!", uma moça de seios de fora diz para um rapaz: "O que você está olhando aí para baixo?". Ele: "A parte que o caricaturista deixou de fazer!".
Charges como essas evidenciam a admiração deste "solteirão convicto" pelas curvas femininas e sua visão negativa sobre o sexo oposto, mas "deixa entrever as mudanças de comportamento da mulher moderna", explica Aparecida.
O casamento, o divórcio e a necessidade de instrução da mulher também são temas de outros chargistas muitos não identificados pelas pesquisadores por trás de seus pseudônimos. Mas, também rendiam "pano para manga" questões como a falta de água encanada na Curitiba da década de 1910; o advento do bonde elétrico e, consequentemente, os atropelamentos causados pelos seus condutores incautos; a febre aftosa; a homeopatia; o alto custo de vista, entre outros aspectos da vida cotidiana.
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Serviço:
Factos da Actualidade: Charges e Caricaturas em Curitiba, 1900 1950. Casa Romário Martins (Largo da Ordem, 30), (41) 3321-3328. Terça a sexta-feira, das 9 às 12 horas, e das 13 às 18 horas, e sábados, domingos e feriados, das 9 às 14 horas.




