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Políticos, padres, mulheres e artefatos da vida moderna inspiraram as charges selecionadas para compor a mostra | Fotos: Valterci Santos/Gazeta do Povo
Políticos, padres, mulheres e artefatos da vida moderna inspiraram as charges selecionadas para compor a mostra| Foto: Fotos: Valterci Santos/Gazeta do Povo

Casinha caiada de branco

A paisagem de prédios históricos e calçada de pedra do Largo da Ordem ficou incompleta durante um ano inteiro. Escondido por tapumes, a Casa Andrade Muricy, última sobrevivente da arquitetura colonial no centro histórico de Curitiba, passou por uma reforma "do piso ao teto", como descreve Dóris Regina Teixeira, arquiteta da Fundação Cultural de Curitiba.

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História

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Térreo

Localizada no Largo Coronel Enéas, 30, a Casa Romário Martins é o último exemplar de arquitetura colonial portuguesa no centro da cidade. A edificação mantém as características das casas curitibanas do início do século 19, que tinham embasamento em pedra com rejunte e um único pavimento.

Secos e molhados

A casa teve diversos usos antes de ser desapropriada pela prefeitura, em 1970, e tombada pelo Estado no ano seguinte. Foi moradia até o início do século 20; depois, um armazém de secos e molhados de propriedade de Guilherme Etzel; e, a partir de 1930, o armazém do Roque.

Primeira reforma

Em 1973, passou por um grande restauro e foi denominada Casa Romário Martins, em homenagem ao criador do termo "paranismo" – e que jamais residiu no imóvel. Abrigou provisoriamente o Arquivo Histórico Municipal, transferido, em 1981, para a recém-criada Casa da Memória, dando espaço para exposições relacionadas à memórias de Curitiba.

Quem passa com frequência diante da Casa Romário Martins, no Largo da Ordem, certamente já parou para ler as charges bem-humoradas do paranaense Al­­ceu Chichorro (1896-1977) plotadas nos tapumes que, ao longo de um ano, cercaram o espaço em reforma.

Depois da reabertura da casa, no dia 26 de março, é hora de saber mais sobre aqueles desenhos do início do século – petardos irreverentes lançados não só contra líderes políticos como Hitler, Mussolini e Getúlio Vargas, mas contra "modernidades" como o carro, o bonde elétrico e o gramofone e até mesmo as mulheres, que começavam a a se instruir, trabalhar e se divorciar.

As charges e caricaturas em preto-e-branco de Chichorro – e não cachorro, como esclarece o vídeo de 15 minutos Cachorro, Não!, projetado no espaço – são o destaque da mostra Factos da Actualidade: Charges e Caricaturas em Curitiba, 1900 – 1950. A reunião de mais de cem charges e caricaturas da metade do século 20 são uma síntese do estudo de mesmo nome publicado pelas pesquisadoras da FCC, Aparecida Vaz da Silva Bahls e Mariane Cristina Buso, sob a forma de edição especial do Boletim Romário Martins – que volta a ser publicado com a reabertura da casa.

A pesquisa, iniciada em 2006, propõe um passeio pelo modo como os curitibanos pensavam e se comportavam por meio das charges e caricaturas que circulavam nas revistas locais. De títulos, aliás, divertidíssimos como O Olho da Rua, A Bomba, Prata da Casa e O Jazz. Alguns exemplares originais, além das plotagens nas paredes, podem ser conferidos em duas vitrines. "É possível perceber a evolução das charges, e também das revistas", conta Aparecida.

Ao entrar na casa, o visitante se depara com as únicas imagens do século 19 consideradas pelo colecionador Newton Carneiro, em seu livro O Paraná e a Caricatura, como os primeiros exemplares de caricatura no Brasil. São reproduções de aquarelas de João Pedro, o Mulato, que satirizavam aspectos da vida colonial. "Mas pouco se sabe sobre este pintor", conta Aparecida.

Eloy, Sá Christão e outros pseudônimos

O Olho da Rua (1907-1909) era uma revista dedicada com afinco ao anticlericalismo. "Os chargistas eram associados à maçonaria e denunciavam, principalmente, a intromissão da Igreja em assuntos do governo", conta a historiadora. Não faltam charges de padres gordos e dados a fanfarronices.

Hoje, Benett, Paixão e outros cartunistas curitibanos podem assinar sem medo seus sobrenomes embaixo de sátiras. Mas antes era mais seguro usar pseudônimos – alguns engraçados como Sá Christão e K. Brito. Alceu Chichorro assinava livros como Eloy de Montalvão e charges como Eloy, sobrenome de sua mãe. "Ele chegou a ser preso entre as décadas de 40 e 50", conta Aparecida.

Desde que passou a editar O Jazz, na década de 20, Chichorro "desferia" charges sobre o regime nacional-nazista, as manobras de parlamentares brasileiros, o Estado Novo e... a mulher. Em uma delas, intitulada "Não seja indiscreto!", uma moça de seios de fora diz para um rapaz: "O que você está olhando aí para baixo?". Ele: "A parte que o caricaturista deixou de fazer!".

Charges como essas evidenciam a admiração deste "solteirão convicto" pelas curvas femininas e sua visão negativa sobre o sexo oposto, mas "deixa entrever as mudanças de comportamento da mulher moderna", explica Aparecida.

O casamento, o divórcio e a necessidade de instrução da mulher também são temas de outros chargistas – muitos não identificados pelas pesquisadores por trás de seus pseudônimos. Mas, também rendiam "pano para manga" questões co­­mo a falta de água encanada na Curitiba da década de 1910; o advento do bonde elétrico e, consequentemente, os atropelamentos causados pelos seus condutores incautos; a febre aftosa; a homeopatia; o alto custo de vista, entre outros aspectos da vida cotidiana.

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Serviço:

Factos da Actualidade: Charges e Caricaturas em Curitiba, 1900 – 1950. Casa Romário Martins (Largo da Ordem, 30), (41) 3321-3328. Terça a sexta-feira, das 9 às 12 horas, e das 13 às 18 horas, e sábados, domingos e feriados, das 9 às 14 horas.

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