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O autor mistura histórias reais que presenciou em Curitiba a memórias e elementos fantásticos | Matheus Dias/Divulgação
O autor mistura histórias reais que presenciou em Curitiba a memórias e elementos fantásticos| Foto: Matheus Dias/Divulgação

Entrevista

Luís Henrique Pellanda, autor de Nós Passaremos em Branco (2011) e Macaco Ornamental (2009).

É recorrente o narrador se assumir, no texto, como o cronista que observa, e até como espião. Há menção à vergonha de observar com o intuito de escrever e ao oportunismo. Existe relação de culpa entre o cronista e o submundo em que se inspira para escrever?

O problema é que, às vezes, nos sentimos invadindo a vida dos outros. O medo é que a gente esteja apenas explorando aquilo para alguma coisa que não compreendemos. Por que nos interessamos tanto por histórias? Para mim é um prazer contar histórias, mas, ao mesmo tempo, é comum contarmos aquelas que tratam de coisas muito ruins e que não são nossa vida. Elas podem nos preocupar, tirar nosso sono às vezes. Mas, para aqueles personagens – os protagonistas –, é algo muito pior. Como é que eu posso extrair prazer dessas coisas? Claro, não vou me chicotear por isso. Mas é uma reflexão que acaba surgindo em todo mundo que escreve.

A Curitiba das suas crônicas é a mesma que existe na vida real? Ou é outro lugar, ocupado por demônios e temáticas religiosas recorrentes?

Acho que é uma cidade que é a versão real misturada com aquela das minhas lembranças e com as minhas formações. Tenho uma formação católica, e Curitiba tem formação extremamente católica. É uma cidade muito conservadora. Uma forma de brincar com ela é essa: você cria uma antologia de demônios para falar de algumas de suas características hoje, que têm a ver com explosão demográfica, violência, tráfico de drogas. O elemento religioso na crônica tem a ver com o fato de as duas formações serem religiosas. Minha formação pessoal e a formação histórica e cultural da cidade têm uma ligação muito forte com isso. Acho difícil falar sobre Curitiba desprezando esse aspecto religioso.

É recente o trabalho de cronista do escritor, jornalista e músico Luís Henrique Pellanda. Sua produção no gênero era esporádica e só se tornou mais frequente quando passou a ser publicada, às quintas-feiras, no site Vida Breve, criado em parceria com o editor do jornal Rascunho e hoje diretor-geral da Biblioteca Pública do Paraná, Rogério Pereira, há cerca de dois anos. Por isso mesmo, a maioria das crônicas reunidas no livro Nós Passaremos em Branco, que será lançado hoje, às 19h30, na Megastore Livrarias Curitiba foram publicadas entre 2009 e meados de 2011 – e, ainda assim, são parte significativa de toda a obra do autor.

O espaço curto de tempo, no entanto, permitiu a Pellanda selecionar 37 entre cerca de uma centena de crônicas publicadas e chegar a uma coletânea coesa, com unidade temática e elementos recorrentes para falar sobre Curitiba e algumas das histórias que acontecem no centro da capital – de acordo com Pellanda, sob o ponto de vista de um autor que vive em uma cidade que cresceu muito em 20 anos e que não tem estrutura para lidar com isso.

Alguns desses acontecimentos cruzam o caminho do escritor, como em "O Homem com a Menina no Colo" – série de crônicas inspirada nos trajetos feitos pelo próprio Pellanda ao andar pela cidade: uma prostituta joga pétalas sobre uma menina que dorme na grama da Praça Santos Dumont, usuários de crack brigam em uma coreografia que acaba em frente à Secretaria de Cultura ("O Balé Chupa-Latas") e um casal discute em frente ao busto do pai da aviação ("Palhaça, Bandida, Gostosa!").

Outras surgem de memórias do escritor, como a da estreia do filme The Doors, de Oliver Stone, no antigo Cine Plaza (em "Co­­nan, O Milagreiro"), de brincadeiras sobre o comportamento dos curitibanos ao serem forçados a dividir uma mesa com estranhos em um restaurante ("A Mesa Coletiva") e do imaginário do cronista, que constrói uma Curitiba ocupada por "uma legião de pequenos diabos trafegando pelo centro" (da seção "Antologia dos Demônios de Curitiba").

Pellanda explica que os personagens são reais e as histórias de fato aconteceram. "Os demônios são perfeitamente reconhecíveis. Você pode encontrá-los, vê-los em ação. São pessoas que estão por aqui. O que fiz foi criar uma ideia, uma brincadeira de fantasia, como se habitassem um universo sobrenatural. É uma vantagem da crônica poder contar o que acontece sem se responsabilizar por cada detalhe, desde que não invente uma mentira", diz. "Eu não falo nenhuma mentira sobre a cidade. No livro, vão ver Curitiba como é na realidade", diz. "É uma verdade do autor."

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"Em Curitiba, não são todos os diabos que se deixam ver. A maioria só se manifesta como som, como ruído, sirenes e explosões, batucada noturna, música remota, aborrecida ou excitante, mas sempre encantatória. É a melodia das flautas andinas que nos chega da Praça Osório, a ladainha das mil línguas estrangeiras a vazar do ônibus da Linha Turismo [...]. E quem nunca ouviu o canto da Pequena Sereia da Boca Maldita, sua voz emasculada, suas árias de travesti aleijado, a convidar os navegantes da Rua das Flores a um mergulho no Ivo, rio subterrâneo onde vive e os afoga?"Trecho de "O Encosto Bilheteiro", do livro Nós Passaremos em Branco, de Luís Henrique Pellanda.

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Serviço:

Nós Passaremos em Branco, de Luís Henrique Pellanda. Arquipélago Editorial. 192 páginas. R$ 34. GGG1/2

Lançamento e sessão de autógrafos. Megastore Livrarias Curitiba – Shopping Estação (Av. Sete de Setembro, 2775), (41)3330-5000. Hoje, às 19h30. Entrada franca.

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