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Alex Cabral: balé e punk | Ivonaldo Alexandre/ Gazeta do Povo
Alex Cabral: balé e punk| Foto: Ivonaldo Alexandre/ Gazeta do Povo

Era o disco de Live at It Club, álbum ao vivo do pianista Thelonius Monk, que estava no playlist de Alex Cabral quando a reportagem chegou em seu ateliê, no bairro Vila Izabel, em Curitiba. As duas diabas vermelhas feitas de acrílico, e um quadro grande em tom alaranjado e outro que revela duas moças de traços orientais, am­­bos ainda não finalizados, não despertam mais atração, entretanto, do que o amontoado de obras do artista que descansa no chão, sem ter data – e pior, motivos – para sair dali.

"Curitiba não tem mercado. Não dá para dizer nem que é pequeno, não tem mesmo. Não existe consumidor de arte aqui. Muitos artistas tentam sair. Eu não consegui e já me conformei", sentencia Cabral, retirando os óculos de aros grossos dos olhos e os balançando em sinal de inquietude.

Nascido em Santos em 1962 e criado em Belo Horizonte, o artista plástico veio a Curitiba aos 21 anos para fazer parte do Balé Teatro Guaíra. Dançou profissionalmente por seis anos, de 1982 a 1988. "Detestei. Não foi uma boa experiência", lembra, emendando a prosa. "Aí entrei na banda Missionários em 1989 e fiquei até 1995. Era vocalista." O grupo de punk e rockabilly movimentou a cena underground daqueles tempos, mas para Cabral era só uma diversão. Ele nunca pensou em ser músico profissional.

Mas entre o balé e o punk, estava o grafite. As pessoas o conheciam como grafiteiro – que "na época era outra coisa". E a aproximação primeira com a arte surgiu em casa. Quando pequeno, Cabral via seu pai pintando. Já na infância começou a fazer seus próprios desenhos, investiu em fanzines. Aí vieram aulas para fazer uma história em quadrinhos que nunca existiu, e, por fim, a descoberta de sua arte em um curso de dois anos no Museu Alfredo Andersen. "Autodidata não é a palavra certa. Estou no meio caminho disso", explica Cabral, remexendo o pulso, e com ele o relógio de fundo vermelho.

A última exposição da qual participou foi a Eussoutro Soumos, ainda em cartaz no Museu da Gravura, no Solar do Barão. Cabral interferiu visualmente em faixas que celebravam personalidades como Sandy e Gisele Bündchen. As faixas estavam na rua e foram feitas não se sabe por quem. "Tem cara de arte de maluco."

Cabral também trabalha com pintura e recorte. Vê um papel interessante numa sorveteria e vai logo levando para casa. Máscaras de políticos também estão na estante – que guarda uma coleção de CDs, de John Frusciante a Pixies –, esperando por algo que infelizmente não se sabe se vai acontecer.

"Não vou deixar de ser artista, mas a arte não é mais prioridade por uma questão financeira. Uma tela para a qual dedico meses de trabalho custa caro e o Brasil é um país que não tem dinheiro. Quem vai comprar arte é quem já comprou o carro do ano, o apartamento na praia e já viajou o mundo. A arte não é prioridade para o brasileiro e é normal que não seja", diz Cabral, maneando a cabeça. Hoje o artista cursa faculdade de Fisioterapia, faz ioga e passa menos tempo do que queria em seu ateliê. A exposição no Museu da Gravura não suscitou nem um pio – o telefone tocou durante a entrevista, mas era engano.

A cultura em relação às artes plásticas, segundo Cabral, é insipiente. O diálogo é de artista para artista, de curador para curador. O público e a crítica estão, neste momento, à margem de tudo.

Ateu convicto e leitor contumaz – em meio à conversa, cita José Saramago e seu "retorno aos átomos", Cabral hoje está nas "reservas". O dinheiro vem do que economizou durante seus 20 anos de trabalho em uma empresa de exportação de madeiras. "Estou tentando remontar minha vida", confessa o artista, um ser em constante movimento. "Acredito no acaso. Só não faço uso dele."

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