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Na crônica "Polícia do Pensamento", publicada pela Gazeta do Povo no dia 4 de outubro, o escritor Cristovão Tezza comentou a polêmica em torno da campanha publicitária de lingerie protagonizada por Gisele Bündchen, questionando o fato de a Secretaria de Política para as Mulheres, da Presidência da República, querer "proibir uma propaganda de calcinhas e sutiãs". O G Ideias procurou o autor de O Filho Eterno para discutir os limites tênues entre ser politicamente correto e violar a liberdade de expressão.

Em que medida o filtro do politicamente correto é um tipo de censura disfarçada?

Numa grande medida o policiamento do "politicamente correto", que na verdade é um policiamento de "comportamento padrão", é uma censura. Pior: está se transformando sutilmente numa censura interna, num controle prévio de pensamento, humor, comportamento, opinião, tudo. É o triunfo orwelliano do Estado, submetendo a percepção da realidade a quadros mentais rígidos e pré-determinados.

Em um país onde há tantas desigualdades, você acha que é importante que exista, por parte dos meios de comunicação, algum mecanismo que impeça a veiculação de conceitos discriminatórios, que deixam entrever preconceitos?

A discussão dos preconceitos sociais – e eu vivi e estudei isso de perto a partir da Linguística – foi uma conquista extraordinária dos anos 1970, que abriu caminho para uma compreensão plural, generosa e universal da condição humana, fundamentada na liberdade. São conquistas extraordinárias, frutos da educação, da leitura, do contato livre entre as culturas, do acesso à informação, dos processos de urbanização, que potencialmente rompem os estreitos limites étnicos, religiosos e morais de culturas fechadas e intolerantes. A condição da mulher, do negro, do índio, dos gays, de todas as minorias, hoje é percebida de uma forma muito diferente do que era algumas décadas atrás. E é percebida naturalmente.

O que aconteceu a partir disso?

Aconteceu que oficializou-se, pela via burocrática, esta conquista cultural. Aquilo que foi e continua sendo fundamental nos aspectos objetivos – a criminalização do racismo, da violência contra a mulher, a universalização dos direitos do cidadão – passou a invadir perigosamente a esfera subjetiva e o controle dos comportamentos culturais. Sim, isto existe naturalmente; a convivência humana, no mundo inteiro, é feita de invasões subjetivas e controles de comportamento (pais e filhos, entre vizinhos, o espectador e o programa de tevê, colegas de profissão, etc.). O terrível é quando esta invasão subjetiva passa a ser feita por uma lógica de Estado. Quando uma ministra de Estado começa a vigiar a novela das oito e determinar o que deve acontecer nesta ou naquela cena, ou pretende proibir uma publicidade de calcinhas, parece que começa a funcionar uma espécie de "utopia estatal de controle de comportamento".

Como escritor, passa pela sua cabeça esse tipo de preocupação na hora de criar?

Felizmente, nenhuma.

Quanto ao discurso, você acredita que a escolha de palavras e expressões "politicamente corretas" pode, a médio prazo, alterar a percepção da opinião pública sobre determinado segmento da população ou minoria?

As palavras não são inocentes; os grupos sociais, naturalmente, mantêm zonas "mentais" de estigma, de ofensa, de preconceito, de potencial violência. É só contemplar uma torcida de futebol. É o processo civilizatório, os movimentos políticos, a cultura enfim que permite a nossa transformação, a convivência comum e a defesa do cidadão e das minorias. É o processo amplo da educação que modifica nosso olhar. O controle do "politicamente correto" apenas gera uma estupidez oficial de que ficamos reféns.

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