
Dalton Trevisan significa uma opção radical pela literatura enquanto arte da palavra. Tanto nas suas incessantes experimentações com a língua portuguesa, muitas vezes em oposição a ela mesma, quanto na sua dedicação ao fazer literário sem concessões às distrações da vida pessoal e social". Assim, a ata do júri da 24.ª edição do Prêmio Camões de literatura justificava a concessão de 100 mil euros ao escritor curitibano. Prestes a completar 87 anos, no dia 14 de junho, Dalton entra para a seleta lista de dez autores brasileiros contemplados com a maior premiação de língua portuguesa desde sua criação, em 1988, junto com Jorge Amado, Lygia Fagundes Telles e João Ubaldo Ribeiro, entre outros (confira a lista completa no quadro ao lado).
A ata foi lida na manhã de ontem pelo secretário de Estado da Cultura de Portugal, Francisco José Viegas. Os jurados seis intelectuais, entre eles o crítico Alcir Pécora e o escritor e professor Silviano Santiago chegaram a uma decisão unânime após duas horas de debate. De acordo com Santiago, Dalton foi escolhido por sua contribuição para a arte do conto, e afirmou ainda que o autor de Cemitério de Elefantes dá continuidade a uma tradição que vem de Machado de Assis, no Brasil, Edgar Allan Poe, nos Estados Unidos, e Jorge Luis Borges, na Argentina. "Também o escolhemos pelo modo como ele trabalha o conto a partir de uma linguagem concisa, direta, chegando a aproximar o conto de um poema em prosa e de um haicai. Além disso, o tratamento que ele dá ao fait-divers, aos pequenos acontecimentos do cotidiano, como em O Vampiro de Curitiba, faz com que ilumine os pequenos dramas do cotidiano", completou o professor emérito da Universidade Federal Fluminense, em declaração oficial. Além dele, fizeram parte do júri os professores portugueses Abel Barros Baptista e Rosa Maria Martelo, a poeta angolana Ana Paula Tavares e o historiador e escritor moçambicano João Paulo Borges Coelho.
Consagração
O prêmio Camões é mais uma consagração que chega para o escritor nos últimos meses. No final do ano passado, Trevisan recebeu seu quarto prêmio Jabuti por seu penúltimo livro, Desgracida, uma coletânea de contos e cartas pessoais publicada pela editora Record em 2010. Mais recentemente, foi homenageado com a Sala Dalton Trevisan, no Museu Guido Viaro. A sala dispõe de folhetins e cartazes de peças de teatro baseadas em seus livros, filmes roteirizados a partir de sua obra e o acervo completo de publicações literárias e números da revista Joaquim, fundada por ele em 1946.
Os escritores de Curitiba festejaram a notícia. Cristóvão Tezza, que é vizinho do autor premiado, disse que a premiação de Dalton com o Camões é "um índice da maturidade absoluta da nossa literatura". "Achei fantástico, o Dalton é uma referência obrigatória da literatura brasileira dos últimos 50 anos", completou. José Castello, vencedor do Jabuti de 2011 pelo romance Ribamar, concorda: "Ele é o grande contista da literatura brasileira. Se por um lado as obras mais recentes dele não guardam o brilho da sua época de maturidade, a parte mais importante da obra do Dalton é de uma grandeza inquestionável, e como o prêmio é dado pelo conjunto da obra, é mais do que justo".
Conhecido por ser um autor avesso a entrevistas, fotografias e aparições públicas, é muito pouco provável que Dalton apareça para receber o prêmio em Lisboa. De acordo com a assessoria de imprensa da Record, o escritor foi informado, mas não se pronunciou.



