• Carregando...
 | Ilustração: Robson Vilalba, Osvalter Urbinati e Adriano Valenga.
| Foto: Ilustração: Robson Vilalba, Osvalter Urbinati e Adriano Valenga.

Política também se faz nas ruas

Sei que qualquer análise que se tente fazer das manifestações que movimentam o Brasil nas últimas semanas é, antes de tudo, um esforço contra o tempo: os fatos têm se encarregado de derrubar análises apressadas

Leia opinião completa

Diário de um artista quando perto

Hoje, das 14 às 17 horas, o artista plástico Newton Goto, 42 anos, vai lançar na Praça 29 de Março o livro Coisa Pública

Leia matéria completa

Junho começou um e termina outro. Do meio do furacão, é difícil entender por que quase 1 milhão de pessoas tomou as ruas na última quinta-feira, em mais um curioso capítulo de guerra e paz. Algumas pistas, no entanto, ajudam o esclarecimento de sociólogos de plantão, jornais esquizofrênicos que mudam o discurso da noite para o dia e comentaristas políticos que dizem "veja, na verdade não é bem assim".

Está cada vez mais claro que, em meio a tantas cartolinas levantadas, há um gigantesco megafone ecoando uma voz generalizada de indignação com a velha política praticada no Brasil. São gritos contra os que o escritor uruguaio Eduardo Galeano chamou de "políticos redondos", que ficam assim de tanto darem voltas e não saírem do lugar. Pense no velho Sarney.

A hiperconexão é outra circunstância. O Estado e os governos, ao que parece, precisam aprender a se comunicar melhor com uma sociedade líquida e consciente que preza cada vez mais o instantâneo – de acordo com pesquisa Datafolha, 77% dos que participaram do primeiro grande protesto em São Paulo tinham curso superior e 53% eram menores de 25 anos. Dilma deveria ter tuitado, quem sabe, e não se pronunciado em rede nacional.

Pelas tabelas

Outro ponto em comum, que encontra sintonia com movimentos internacionais como o que acontece na Turquia – onde um grupo iniciou os protestos tentando impedir a construção de um shopping em uma praça central de Istambul – é uma maior noção de cidadania. De pertencimento a um espaço público que deve ter condições de servir uma sociedade que paga altos impostos por isso.

Em Curitiba, há alguns anos, eventos diversos pipocaram aqui e acolá e deram corda a esse sentimento. E pequenos conflitos já existiam. Em 2011, o tradicional Grito de Carnaval do bar Ao Distinto Cavalheiro foi interrompido quando nem bem havia começado. O pré-carnaval de 2012 acabou em confusão, inclusive com jornalistas feridos pela Polícia Militar. Trocando em miúdos: possivelmente existia uma vontade, de não se sabe o quê, que talvez estivesse sendo reprimida.

A rapper curitibana Karol Conka já se espremeu em muitos biarticulados na vida, quando morava no Boqueirão. Ela marchou por esses dias. "Se não causar na sociedade, não tem como o governo levar a gente a sério", justifica, a seu jeito.

Em Porto Alegre, a banda Apanhador Só sempre se utilizou de espaços públicos – praças e parques – para tocar. Às vezes sem avisar, criando interessantes manifestações espontâneas. Ir às passeatas virou um compromisso.

"O que é público é nosso, e não de ninguém. Essa sensação de pertencimento é essencial", diz Alexandre Kumpinski, vocalista.

"Sofremos uma violência simbólica há muito tempo. Através da publicidade, da não representação política, do sufocamento de nossas vontades e ambições. Agora, estamos regurgitando isso porque estamos de saco cheio", completa.

Captando o zeitgeist de 2013, a banda lançou recentemente um clipe em que um sujeito, após narrar seu dia massacrante, luta para tomar um ônibus lotado. A música, ora, se chama "Despirocar".

Em São Paulo, o músico Carlos Careqa engrossou a multidão e marchou por sete quilômetros na última segunda-feira. "As pessoas não aguentam mais pagar ao governo e não receber nada em troca", sintetiza o compositor, que há um mês lançou um clipe que se passa em plena Avenida Paulista. De novo, as ruas.

Careqa morou em Curitiba por 20 anos e participou das passeatas das Diretas Já, no início da década de 1980. Cansou de cantar "Pelas Tabelas", música sensivelmente política de Chico Buarque. "Quando você tem 20 anos, quer fazer um pouco de história. Por isso, muita gente estava na Paulista sem saber o porquê."

No início da semana, o advogado Davi Lima Santiago, de 37 anos, passeava em uma rua da zona sul de Recife quando encostou em um fio da rede pública de eletricidade, que estava pendurado há mais de 30 dias. Davi morreu na hora. "É por isso, e não por 20 centavos. É por esse incômodo e esse descaso generalizado que a gente carrega há muito tempo", diz o músico e compositor Tibério Azul, um dos principais representantes da geração pós-manguebeat. Na quinta-feira, dia 20, 50 mil pessoas protestaram nas ruas da capital pernambucana.

Front virtual

A última grande manifestação popular, tensa, que levou multidões às ruas de Curitiba, foi pela não privatização da Copel, em 2001. Jaime Lerner era o governador e Estrela Leminski estava lá, colocando em prática o que aprendeu no curso de desobediência civil que havia feito no DCE da UFPR. "Hoje tenho filhos, por isso, estou no front virtual, compartilhando o que acho interessante e ajudando como posso quem está nas ruas", diz a cantora e compositora.

Quem saiu para ajudar a fazer história foi seu marido, o músico Téo Ruiz. "As pessoas estão reconhecendo a cidade como o seu lugar. Existia uma ânsia de ir para a rua e tomar o seu espaço", afirma Téo. Momentos depois da entrevista, do seu front particular, Estrela compartilhou um poema de seu pai. "Ainda vão me matar numa rua/ quando descobrirem/ principalmente/ que faço parte dessa gente/ que pensa que a rua/ é a parte principal da cidade." Vem bem a calhar.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]