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Uma intelectual pode recorrer à sabedoria acumulada com anos de leitura e de experiência – afinal, tem quase 70 anos – para sobreviver a uma experiência traumatizante como a perda repentina do marido? Definitivamente, não. Não há nada que se possa ler que seja capaz de preparar alguém para os efeitos do luto.

O máximo que a literatura pode oferecer é uma vaga idéia do sofrimento, da perplexidade e do desalento que uma pessoa vive quando perde alguém que ama. Essa idéia é um pouco menos vaga em O Ano do Pensamento Mágico (Tradução de Paulo Andrade Lemos. Nova Fronteira, 224 págs., R$ 19,90). Híbrido de ensaio e livro de memórias, foi a forma que a escritora Joan Didion encontrou para assimilar a morte do marido, ocorrida no dia 30 de dezembro de 2003.

"A vida muda rápido. A vida muda num instante. Você senta para jantar e a vida que você conhecia acaba de repente." As frases impressas na capa do livro pontuam toda a narrativa, como se Joan precisasse repeti-las para poder aceitá-las. Outra constante é a ênfase no fato de a morte ter acontecido em um "instante comum".

Casada por quase 40 anos com o também escritor John Gregory Dunne (1932 – 2003), Joan é tia do ator Griffin Dunne (Um Lobisomem Americano em Londres, terror dirigido por John Landis em 1981). Ela e o marido chegaram a trabalhar com o diretor Otto Preminger, de Anatomia de um Crime (1959), e produziram alguns roteiros de cinema, inclusive o de Nasce uma Estrela (1976), com Barbra Streisand, e Íntimo e Pessoal (1996), com Robert Redford e Michelle Pfeiffer.

Apesar do trabalho em Hollywood, ambos preferiam a literatura e o jornalismo. Joan começou a carreira trabalhando na revista Vogue e durante anos assinou uma coluna para a Life. Dunne também teve seu flerte com a imprensa e por cinco anos fez parte da redação da Time. No fim de 2003, eles estavam abatidos com a doença da filha – ainda não sabiam que se tratava de um choque séptico.

Internada desde a véspera do Natal, Quintana Roo Dunne Michael morreria meses depois. Embora a perda da filha tenha ocorrido depois de finalizar O Ano do Pensamento Mágico, Joan descreve o calvário da filha e a maneira com que os médicos tratavam o problema – surpresos por "ainda" estar viva – como se soubesse da morte iminente.

Ser intelectual pode não ter ajudado a suportar o fim do marido, mas ao menos serviu para ela buscar um alento: ler tudo o que pôde encontrar sobre o assunto. "Informação é poder", aprendeu com o pai. Muitos dos textos que encontrou são citados no livro, entre eles os estudos de Philippe Ariès e o manual de etiqueta de Emily Post, publicado em 1922 (sobre como se portar nas várias etapas relacionadas à morte de um familiar, amigo ou conhecido).

"A dor ocasionada pela perda de um ente querido é um estado que nenhum de nós conhece antes de termos passado por isso", escreve a autora antes de passar outra dezena de páginas tentando provar a distância entre o imaginar e o viver tal situação. O que impressiona é a sensação de impotência transmitida pelo texto. Mesmo quando se é um homem de quase 70 anos com histórico de problemas cardíacos – caso de Dunne –, é difícil se preparar para a morte. Nas palavras de Joan, é impossível.

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