• Carregando...
A conversa entre mãe e filho esclarece a ausência do pai e contextualiza a ditadura argentina | Divulgação/Carlos Duque
A conversa entre mãe e filho esclarece a ausência do pai e contextualiza a ditadura argentina| Foto: Divulgação/Carlos Duque

Uma conversa eficaz entre uma mãe ex-militante política e o filho adolescente em busca de um pai que sumiu quando ele tinha 2 anos de idade é o que norteia a trama de Heróis Demais, novo romance da escritora colombiana Laura Restrepo. O livro da autora, que é uma das atrações da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) deste ano, é mais autobiográfico do que ficcional. Conta exatamente a história dela, que teve um filho com um dos companheiros de partido durante sua militância contra a ditadura argentina.

De certa forma, o romance parece resolver uma pendência antiga entre mãe e filho, já que é uma longa conversa entre Lorenza e Mateo esclarecendo todos os pontos pendentes na vida do menino. Ele cresce sem pai (Ramón) em Bogotá, terra natal de sua mãe, e também viaja para vários países acompanhando Lorenza em diferentes empregos como jornalista.

Após anos sem entender a ausência paterna e o porquê de ter se mudado de cidade várias vezes, ele resolve viajar para Buenos Aires acompanhando a mãe novamente a trabalho, mas com o objetivo de encontrar Ramón.

Laura Restrepo consegue prender o leitor na maneira como conduz o diálogo: começa explicando ao filho o que os dois chamam de "lance obscuro", que ocorreu quando ele tinha 2 anos. Recém-fugidos da ditadura argentina, já que a mãe temia que o casal pudesse ser preso e prejudicar o filho, Ramón e Lorenza (Forcás e Aurélia em tempos de ditadura) decidem deixar o país, a militância e o partido e tentar uma vida "normal" em Bogotá. Porém, a falta de perigo distancia o casal e o pai toma uma atitude brutal: sequestra o filho com o pretexto de que iria passar alguns dias com ele em uma montanha próxima.

A maneira como a escritora mescla a história com a resolução do caso e o encontro entre pai e filho, 14 anos depois, ajuda a manter o envolvimento do leitor. É interessante notar a cumplicidade e, ao mesmo tempo, a tensão que existe entre mãe e filho. O adolescente, que soa até como malcriado, chama a mãe por um apelido que arranjou ainda quando criança (Lolé), enquanto a mãe o trata sempre por "Kiddo", com devoção e paciência imensas em relação às mudanças de humor do filho. O tempo todo sua atitude é de redenção, enquanto Mateo a acusa de tê-lo sempre levado "para suas coisas"e de nunca entender o porquê de eles se mudarem de país e de ter de "se despedir dos amigos e dar o gato para o vizinho".

Contexto

O livro, além de abordar o drama vivido pelos três, também é político, característica recorrente nas obras da escritora. Ela contextualiza, de maneira despretensiosa, a ditadura argentina, contando sobre os tensos encontros clandestinos do partido em cafés portenhos até a Guerra das Malvinas (abril a junho de 1982), decisiva para a queda do regime militar. O filho, totalmente apolítico, raramente se impressiona com os feitos daquela distante juventude e julga a mãe de fazer "novela" com as histórias.

Laura Restrepo expôs suas feridas e conseguiu abordar um tema delicado e doloroso com leveza e bom-humor surpreendentes. GGGG

Serviço

Heróis Demais, de Laura Restrepo. Tradução de Ernani Ssó. Companhia das Letras, 240 pág. R$ 39,50.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]