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SÃO PAULO (Folhapress) – Estacionar seu carro em um lugar concorrido. Chegar antes do horário para sessões disputadas. Pagar até R$ 16 por um ingresso. E, na sala de cinema, assistir a um... DVD.

É assim que profissionais do meio cinematográfico e parte do público se sentiram em sessões de projeção digital em São Paulo e no Rio de Janeiro (em Curitiba, o único cinema que tem uma sala do gênero é o Unibanco Arteplex). Apresentados ao longo de 2005, títulos de cineastas como Marcelo Gomes (Cinema, Aspirinas e Urubus), Sérgio Machado (Cidade Baixa), Claire Denis (Desejo e Obsessão), Manoel de Oliveira (Um Filme Falado) e Vincent Gallo (Brown Bunny), entre outros, tiveram exibição com qualidade discutível, segundo os entrevistados, e foram alvo de reclamações.

O argumento mais utilizado pelos distribuidores responsáveis – Imovision, Mais Filmes, Filmes do Estação e VideoFilmes –, pelos exibidores e pela Rain Network, empresa responsável pela digitalização nesse circuito, é o do barateamento dos custos. A qualidade não é a mesma da película, segundo eles, mas os filmes estrangeiros poderiam não ser lançados no Brasil caso não houvesse a opção digital.

Cineastas vêem problemas na mudança de padrão. "O cinema levou cem anos para se aproximar da pintura, e isso está sendo jogado pelos ares’’, diz o diretor Carlos Reichenbach (Bens Confiscados). Para ele, "a imagem digital perde contorno, matiz e textura’’.

O diretor Eduardo Valente (do premiado curta Um Sol Alaranjado) acredita que o barateamento dos filmes em digital "deve ser visto com olhos críticos’’. Ele acredita que filmes concebidos para o formato digital, até estrangeiros, podem optar por esse caminho de produção. "É uma situação interessante, que abre algumas portas’’, diz. Mas o cineasta acha complicado ver no cinema do Brasil filmes digitais estrangeiros, cujos realizadores não têm nenhum controle do uso das matrizes e do processo de compressão digital. "Digital por digital, espero sair em DVD e passar na TV, na qual o filme perde menos na imagem’’, completa.

Mauro Pinheiro Jr., diretor de fotografia de Cinema, Aspirinas e Urubus, não teve oportunidade de supervisionar o encodamento (processo que cria uma mídia para exibição digital, a partir da matriz do filme) do seu longa, distribuído em três capitais com 11 cópias em película e sete em digital. "Não critico a opção do digital, que, sem muito dinheiro para distribuição, foi o meio viável para aumentar o circuito do filme. Mas o filme tem um alcance estético em película que a cópia digital não chega, ao menos não agora", diz ele, que não é contra o digital, mas acha que "ainda existe uma diferença com a película que não pode ser desprezada’’.

Público

Entre o público, apesar de a maioria não saber diferenciar os dois tipos de projeção, há reclamações. O estudante de História Francisco Thompson, 21, detectou problemas na projeção digital de Cidade Baixa, que ele já tinha visto em película na Mostra de Cinema de São Paulo. "O filme perdeu a granulação que tinha na fotografia original e a imagem dava trancos, travando e depois acelerando. Parecia que tinha um véu na imagem, o preto estava esmaecido e coisas em profundidade de campo estavam sem definição.’’

Nem todo o público, no entanto, percebe tantos problemas. Leonardo Seiji Oyama, estudante de Engenharia, achou "boa’’ a qualidade da imagem digital de Cidade Baixa. Já o músico Marco Aurélio Nunes, considerou "legal’’ a projeção, mas percebeu que "a imagem dava uma freada estranha’’. Espectadores que viram a cópia digital de Cinema, Aspirinas e Urubus também não sabiam diferenciar as duas mídias. "Não vi nada de errado na projeção, mas achei que o som estava um pouco diferente’’, avalia o estudante de História Adriano Henriques Machado.

O professor de Cinema da USP (Universidade de São Paulo) Rubens Machado Júnior questiona os produtos digitais. "Há uma ética que o exibidor e o distribuidor deveriam ter antes de fazer isso (a digitalização), uma vez que é uma intervenção no resultado final idealizado pelo cineasta.’’

Na França, por exemplo, a situação é diferente. O CNC (Centre National du Cinéma) subsidia os equipamentos para projeção em película, e, por isso, as salas contam com projetores novos, minimizando a utilização da nova mídia. "Não há urgência de troca na França’’, afirma o adido audiovisual do consulado da França, Christian Boudier.

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