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Dentro de dois anos e meio, o Ministério da Educação vai conceder pela primeira vez em sua história um diploma de escritor. Diploma de graduação, com a assinatura de uma das mais importantes instituições de ensino superior do país, a Unisinos, do Rio Grande do Sul. O vestibular que escolheu os primeiros alunos do curso de Formação de Escritores e Agentes Literários já ocorreu e as aulas começam no mês que vem.

Como não poderia deixar de ser, porém, a novidade causou um burburinho entre os escritores e candidatos a escritores do país. Enquanto alguns acham a novidade para lá de bem-vinda, inclusive para que o país desmitifique a profissão, outros crêem que escrever não se aprende na escola e acham que há o risco da criação dos "escritores de crachá". Alguns dos maiores nomes da literatura nacional chegaram a entrar na disputa, que parece ainda não ter acabado.

Para o poeta gaúcho Fabrício Carpinejar, idealizador do curso, a polêmica decorre da "mentalidade medieval" que ainda cerca a literatura no Brasil. "O curso vai ajudar a tirar essa névoa, essa neblina que paira sobre a literatura", afirma ele. De acordo com o poeta, por aqui ainda se pensa que só quem pode escrever são "alguns eleitos" e que não é necessário ter uma discplina para se tornar um escritor. "Na verdade, há escritores que nem aceitam que a literatura possa ser uma profissão", diz.

A idéia de Carpinejar ganhou seus críticos – mas também teve muitos adeptos. Milton Hatoum, que dará a aula inaugural, o carioca Paulo Henriques Britto, que defendeu o curso em artigos, e os professores que aceitaram participar da empreitada – uma lista que inclui Affonso Romano de Sant’Anna, Moacyr Scliar, João Gilberto Noll e Luiz Ruffato – ajudaram a dar uma boa impressão para o projeto. Resta saber se os detratores do curso vão se acostumar com a idéia.

Críticas

"Olho com uma certa suspeita esse curso de Formação de Escritores." A frase é de José Castello, jornalista e escritor. A opinião dele pode parecer contraditória. Além de ser conhecido como biógrafo de dois grandes poetas – Vinícius de Moraes e João Cabral de Melo Neto –, Castelo ministra freqüentemente oficinas de criação literária. Porém, quando o assunto é uma faculdade, com diploma e aval do MEC, ele não concorda. "Creio que estão vendendo uma ilusão. Diploma nenhum garante que alguém vá se tornar um escritor", afirma.

Castello não está sozinho. Há um pequeno clube de literatos que discordam da idéia de que se criem faculdades de escritores no país. Já no ano passado, ainda antes do anúncio da Unisinos de que o curso gaúcho sairia do papel, uma polêmica foi criada por Antônio Fernando Borges, no site No Mínimo. Ele escreveu um artigo ironizando o curso de Letras da PUC-Rio, que passou a oferecer aos alunos de bacharelado uma habilitação intitulada "Formação de Escritores". O artigo criticava a possibilidade de se criar a figura de um "escritor de crachá" no país. Além disso, dizia que autores como Machado de Assis e Lima Barreto nunca freqüentaram a faculdade e mesmo assim foram grandes.

Um dos professores do curso, o poeta Paulo Henriques Britto, respondeu também via internet. No site Cronópios, dizia que a lógica de Borges era do tipo "Deus existe, portanto minha geladeira está com defeito". Britto, considerado por muitos como o maior poeta brasileiro da atualidade, afirma que "muitas pessoas perfeitamente racionais se escandalizam com a idéia de cursar Letras para se tornar escritor, e não há como convencê-las de que isso é tão estranho quanto estudar arquitetura para se tornar arquiteto", diz. Para ele, os escritores que são contra o curso deveriam ficar chocados ao saber que Beethoven estudou música e que Picasso fez uma faculdade de Belas Artes.

Entre os que são contra a faculdade, um dos principais argumentos é o de que não se pode ensinar alguém a ter imaginação – um dos fatores essenciais para a formação de um bom autor de literatura. "Literatura e a arte são o terreno do particular. Regras não funcionam para nada", afirma José Castello. Segundo ele, mesmo em um curso longo como o da Unisinos, de dois anos e meio, o que se pode garantir é a formação de um bom leitor. "Não dá para garantir que alguém vai sair dali escritor", completa.

Os defensores do curso afirmam que não há mal nenhum em ensinar as técnicas do ofício em uma faculdade. "Estou na ponta dos cascos porque tive uma discussão sobre isso com os meus colegas da Academia Pernambucana de Letras", afirma o escritor Raimundo Carrero, um dos mais tradicionais professores de oficinas literárias no país. Segundo ele, o embate na academia, em torno do curso de Carpinejar, acabou com um avanço. "Consegui convencê-los de que é possível ensinar técnicas literárias", afirma. Mas nem todos saíram convencidos da conveniência da faculdade. Carrero não se deixou abalar. Diz que está decidido a implantar uma faculdade nos moldes do que fez a Unisinos, só que em Recife. Se o modelo der certo, virão outras em breve. E talvez a qualidade dos alunos que sairão de lá seja mesmo o fiel da balança para saber quem estava com a razão.

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