
São Paulo - Lena (Chiara Mastroianni) e Daniel (Romain Duris) têm muito em comum. Ambos na faixa dos 30 anos, vivem tumultuadas relações amorosas e estão à deriva: nada que fazem dá muito certo e parecem atrair consequências desastrosas não importa a decisão que tomem. Acontece que eles não se conhecem. Tampouco estão no mesmo filme. Mas foram unidos pela programação da 33.ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que termina hoje com a cerimônia de premiação e a exibição do longa-metragem israelense Lebanon, vencedor do Leão de Ouro no último Festival de Veneza.
Lena é a personagem central de Non Ma Fille, Tu NIras Pas Danser, novo filme do francês Christophe Honoré, de Em Paris, As Canções de Amor e A Bela Junie, obras que lhe conferiram o status de diretor cult. Talvez por causa disso, ele decidiu abandonar, pelo menos por enquanto, o uso da música com função narrativa ninguém canta em vez de falar no seu mais recente longa-metragem.
Grande parte dos elementos fundamentais do seu cinema, entretanto, está lá. Mais uma vez, Honoré discute os descaminhos da relação amorosa e da vida em família. Lena, uma mulher frágil, mãe de dois filhos pequenos, acaba de abandonar o marido, Nigel (Jean-Marc Barr, de Imensidão Azul). Com a ajuda do pai (Fred Ulysse), que a protege, consciente de sua vulnerabilidade. Sua mãe (Marie Christine Berrault, indicada ao Oscar de melhor atriz nos anos 70 por Primo e Prima), uma bretã de personalidade forte e controladora, se irrita com as atitudes de Lena e a critica, demonstrando preferir a outra filha, Frédérique (Marina Foïs), mais parecida com ela, mas que também enfrenta problemas no casamento.
Honoré interrompe a narrativa de Non Ma Fille, Tu NIras Pas Danser para reconstituir uma história folclórica da Bretanha, sobre uma jovem que causa a morte de todo rapaz com quem ousa dançar, ao ponto de tornar-se amaldiçoada. O diretor traça um paralelo entre essa personagem e Lena.
Por mais que tente acertar, sua protagonista mete os pés pelas mãos. Como mãe, por não conseguir perceber o sofrimento dos filhos com a separação, e como mulher. Tem um emprego numa floricultura, onde é humilhada pela patroa, que se aproveita de sua insegurança. Tenta iniciar um novo relacionamento com um rapaz mais jovem (Louis Garrel, ator-fetiche de Honoré), amigo do seu irmão caçula, mas sabota essa relação ao não se desligar do ex-marido.
Filha de dois ícones do cinema, Catherine Deneuve e Marcello Mastroianni, Chiara Mastroianni, bela como nunca, encontra em Lena o grande personagem de sua carreira, a oportunidade de provar que amadureceu e tem condições, agora plenas, de se tornar mais do que uma coadjuvante competente.
Autossabotagem
Na mesma Paris onde Lena vive, Daniel, protagonista do ótimo Perseguição, novo filme de Patrice Chéreau, vive uma existência pela metade. Mestre de obras, vive no apartamento que está reformando. Nas horas vagas, faz visitas a uma casa de repouso para idosos, onde é figura popular, e tenta manter um namoro tumultuado com Sonia (Charlotte Gainsburg, em cartaz no Brasil com Anticristo). Ela é uma mulher mais bem-sucedida do que ele, vive viajando e parece ser menos dependente do relacionamento do que ele.
Um fato insólito perturba ainda mais a cabeça de Daniel. De uns tempos para cá, ele passou a ser perseguido por um homem mais velho (Jean-Hughes Anglade, de Betty Blue), que se diz apaixonado por ele e acaba, movido por sua obsessão, por se mudar para um apartamento defronte ao lugar onde o rapaz está morando e trabalhando. Não raro, esse estranho invade sua privacidade, mexe em suas coisas e acaba por fazê-lo refletir sobre o estado de alienação em que não percebe viver.
Daniel, assim como Lena, parece estar parado no tempo. Sua vida, imersa em relações mal resolvidas e num exercício constante de autossabotagem, lhe escorre pelos dedos, erro após erro. Romain Duris, que já trabalhou com Honoré no filme Em Paris, se reafirma como um dos melhores nomes da sua geração. Está brilhante.
Diretores
Tanto Honoré quanto Chereau são diretores importantes do cinema contemporâneo. O primeiro é adepto do "cinema-mutirão", realizado com baixo orçamento e parceiros constantes, como os atores Chiara Mastroianni e Louis Garrel e o compositor Alex Beaupin, que também assina a trilha de Non Ma Fille, Tu NIras Pas Danser.
Para produzir com regularidade, o cineasta recorre a filmes pequenos e vem construindo uma obra sólida, interessante e, sobretudo, sensível e centrada no ser humano, em seus dilemas e, é claro, no amor sob todas as formas.
Chéreau, também um grande diretor de teatro, é um criador mais ambicioso, que pretende uma maior transcendência tanto na forma (seus filmes são grandes espetáculos visuais) quanto no conteúdo, mas igualmente preocupado com o trabalho do ator, com a complexidade dos personagens. E isso o aproxima de Honoré, sobretudo nesses dois filmes que, de tão aparentados, terminam coincidentemente, ao som melancólico de canções da banda inglesa Anthony and the Johnsons. Parece que Lena e Daniel, ao dobrarem a esquina, vão tropeçar um no outro.
O jornalista viajou a convite da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.







