
O diretor teatral Felipe Hirsch cria sem pensar em rótulos. "Começamos com uma ideia e ela pode acabar na galeria, no teatro, no cinema", disse, durante um debate logo após uma das sessões de seu primeiro filme, Insolação, na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, codirigido com Daniela Thomas (Linha de Passe).
Assim também surgiria, em 2004, a ideia de produzir o longa-metragem, que levou cinco anos até ser apresentado, pela primeira vez, na 6.ª edição do Festival de Cinema de Veneza, em setembro. "Foi um caminho difícil", diz Hirsch, que enfrentou problemas financeiros à medida que aumentavam as ambições em relação à produção inicialmente pensada em formato digital, o filme se transformaria em película de 35 milímetros.
Hirsch, Daniela Thomas e o dramaturgo inglês Will Eno (autor de Temporada de Gripe, que Hirsch levou aos palcos em 2003) estudavam contos russos de Bunin, Turguêniev, Tolstói, entre outros, para produzir algo que resultaria, provavelmente, em uma peça. Estavam certos, em parte, já que as leituras se desdobrariam no premiado espetáculo Não Sobre o Amor (2008), baseado nas cartas trocadas entre o formalista russo Victor Shklovsky (1893-1984) e Elsa Triolet, mas também no filme Insolação.
O filme, considerado difícil, nasceu de um desejo de traduzir em imagens a insolação amorosa provocada pela leitura dos contos russos. "É uma literatura em que parece que nada acontece, mas, no fim, você está tomado de um sentimento de amor", explica Hirsch. E como filmar algo tão abstrato?
O drama entrelaça as histórias de personagens "avassalados" pelo amor. "Eles estão em diferentes momentos da vida, mas têm o mesmo pico de paixão", conta Daniela. As crianças vividas por Antonio Medeiros (filho de Leonardo Medeiros, que estreia como ator de modo brilhante) e Daniela Piepszyk (O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias) nutrem um amor intenso e seguro pelos personagens de Leandra Leal e Leonardo Medeiros, respectivamente. Mas, estes últimos, sofrem pelas relações tumultuadas e não correspondidas que mantêm com os personagens de Jorge Emil e Maria Luísa Mendonça.
São personagens que, como a problemática Lucia, de Simone Spoladore, vagam por uma Brasília vazia e inóspita, fotografada de modo insólito por Mauro Pinheiro, entregando-se a sentimentos intensos como o amor, a volúpia e o desespero. O sol sempre a pino remete não ao ensolarado, mas à insolação em um filme onde o amor é belo, mas nunca alegre.
Cenógrafa da Sutil Companhia de Teatro há nove anos, a diretora Daniela Thomas escolheu Brasília como cenário de Insolação após folhear uma revista de bordo e se deparar com fotografias pouco usuais da capital federal. "Os prédios modernistas são uma filosofia em concreto. Brasília, com todos estes edifícios, é uma utopia que falhou", diz ela. As desilusões do amor ganham, então, cenário apropriado. "Paixão, amor e utopia nascem para acabar", diz Hirsch.
Em um deles, ruína do extinto Clube de Servidores construído nos anos 60, o personagem de Paulo José, um escritor idoso e solitário, lê um texto de sua autoria até ser interrompido pelo guardião. De lá, ele ruma para um café montado em uma praça, onde se senta ao lado de alguns personagens, em um momento que se repete ao longo do drama.
Os breves diálogos que se estabelecem em cada cena são únicos e, ao mesmo tempo, se relacionam. Como em um livro de contos em que histórias independentes conversam entre si. São falas muito líricas, por vezes absurdas, que remetem aos contos russos lidos pelos integrantes da Sutil. "Nestes contos as palavras são puras, não foram devoradas pela ironia. Isso explica um pouco a intensidade da literatura russa. Filmar um sentimento é muito vago, então tínhamos que cuidar para que tudo fosse intenso", diz Hirsch. GGGG




