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Em entrevista recente ao Caderno G, o antropólogo e pesquisador musical Hermano Vianna teorizou: "Para muita gente, Caetano e sua turma dominam a cultura brasileira, e o novo não vai aparecer por aqui se alguém não acabar com isso. Então, tudo o que o Caetano gosta, que se parece por algum motivo com o Caetano, vai ser atacado. Todo mundo continua sem poder ignorar o Caetano, e a raiva vai aumentando".

Vianna tem razão. Não são poucos os que vêem no cantor baiano apenas a figura do coronel da MPB, o sujeito responsável por definir quem deve entrar na panela do "eixo do mal" (Rio – São Paulo – Bahia). Mas os motivos que estabeleceram essa relação de amor e ódio de Caetano com o público não param por aí, como afirma Guilherme Wisnik, 32 anos, autor do mais novo livro da coleção Folha Explica, dedicado à obra do artista.

"É uma soma de fatores. Mas ele é culpado disso também", diz Wisnik, filho do professor e compositor José Miguel Wisnik (amigo e parceiro de Caetano) e arquiteto de formação. Para ele, o cantor costuma reagir instintivamente contra a unanimidade, a exemplo do que aconteceu no início dos anos 90, quando foram lançados os discos Circuladô (1991) e Circuladô Vivo (1992). "Todo mundo estava falando bem dele. Mas, logo em seguida, ele cavou um buraco, fugindo e negando aquele sucesso", analisa.

A associação de sua figura ao neoliberalismo da era FHC também teria contribuído para acirrar a relação com o meio cultural, tradicionalmente de esquerda. "O Caetano sempre foi um liberal, e isso ficou mais nítido com o passar do tempo. O que deixou os petistas irritados com ele", afirma Wisnik. Por fim, o arquiteto cita o costume do compositor de opinar, de forma bastante particular, sobre os mais diversos assuntos. "O Caetano filtra sua visão de mundo pela ótica pessoal, tudo sempre passa pelo umbigo dele. E, nestes tempos bem-comportados, do politicamente correto, isso é muito mal-visto".

Para escrever Folha Explica Caetano Veloso, Wisnik buscou fugir da abordagem didática e cronológica comum aos outros títulos da série publicada pela editora do jornal Folha de S. Paulo. O livro começa, por exemplo, pela já citada fase do álbum Circuladô, quando Caetano fez uma revisão de sua carreira. A idéia, de acordo com o autor, era se aproximar do estilo que o artista imprime em suas canções e textos ensaísticos. "O pensamento dele é por analogia, sempre dá saltos. Se você pegar o que ele escreveu nos anos 70, em especial para o Pasquim, vai ver que é tudo muito picotado, polifônico", explica.

Material riquíssimo para o entendimento de sua personalidade, os textos escritos por Caetano também acabam de virar livro. Compilado pelo professor e poeta Eucanaã Ferraz, 45 anos, O Mundo Não É Chato traz artigos publicados na imprensa, cartas enviadas a jornais, releases de discos, prefácios e conferências. Uma obra marcada por muita reflexão, polêmica e bom humor. "O mais interessante desses textos é que ele sempre se põe no lugar que você menos espera. Além disso, Caetano defende com muita intensidade as coisas que gosta. A gente é que tem de tentar não concordar com ele", brinca o autor.

Sobre a má vontade de certos setores culturais com relação ao baiano, Eucanaã é enfático: Caetano cresceu demais como cantor popular, inclusive fora do país, e incomodou quem não está no centro das atenções. "Desculpe não ser mais sutil, mas essa é uma forma burra de pensar. Cada um ocupa o lugar que é seu, o espaço é infinito. Ninguém tira o lugar de ninguém", afirma.

Apesar da defesa apaixonada, o poeta admite que Caetano também "bate muito", e por isso "apanha" na mesma medida. Essa briga constante evidencia um dos traços mais característicos de sua persona: a disposição para se expôr e dialogar com quem quer que seja. "Caetano foi o primeiro brasileiro a trabalhar a exposição pública como necessidade artística. Nesse ponto, ele traduziu a questão mundial do pop para o Brasil", reflete Wisnik.

Amando ou odiando, não dá para negar que Caetano sempre chega para esquentar os debates – nem que seja para irritar os inimigos e mau-humorados de plantão. Como diz Eucanaã, o mundo, para ele, é plural, rico e movimentado. E por isso pode ser tudo, menos chato.

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