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Notícias de uma Guerra Particular, de João moreira Salles: novo documentário brasileiro | Fotos: Divulgação
Notícias de uma Guerra Particular, de João moreira Salles: novo documentário brasileiro| Foto: Fotos: Divulgação
  • Um Passaporte Húngaro, de Sandra Kogut
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Documentarismo e engajamento parecem irmãos siameses que nasceram colados e, quando muito, foram separados à força e com muitas seqüelas. Desde os primeiros filmes documentários, existe uma tradição de posturas engajadas, especialmente o engajamento sociopolítico, apesar de hoje também ser constante o engajamento ambiental. Esse tipo de proposta está vinculada ao senso-comum de que os documentários são representações baseadas na realidade e, como tal, devem ser importantes ferramentas para destacar questões consideradas fundamentais pelos documentaristas.

Na história do cinema documentário, especialmente em suas primeiras décadas, existem muitos casos de engajamento político, os mais famosos são o de Dziga Vertov, na União Soviética dos anos 1920 e 30, e o da alemã Leni Riefenstahl na década de 30. Ambos eram diretores diretamente vinculados a partidos políticos e financiados por estes, respectivamente, o partido comunista soviético e o partido fascista alemão. Outros dois grupos muito importantes são exemplos de engajamento a propostas governamentais: o da Escola de Documentarismo Inglês e o dos documentaristas que produziram para a organização americana Farm Security Admnistration, ambos nas décadas de 30 e 40. Porém, esse era um tipo de engajamento diretamente ligado a governos e partidos políticos e, portanto, talvez não sejam exatamente casos de engajamento realmente, mas apenas realizadores que se associaram à determinadas idéias para viabilizar seus filmes.

É a partir dos anos 50 que toma força o engajamento desvinculado de partidos ou governos. É o engajamento em filmes documentários que buscam representar situações que os realizadores consideram importantes e que, por isso, segundo o pensamento deles, devem ser mostradas exaustivamente ao público. Nesse sentido, temos inúmeros exemplos em todas as partes do mundo, do engajamento pró-governos, ao contrário a governos, engajamento de esquerda e de direita, os engajados aos excluídos e, até, os engajados a grupos dominantes. Para citar apenas casos brasileiros, são destaques os filmes produzidos por Thomaz Farkas entre 1964 e 1970, que tinham como objetivo retratar a vida de brasileiros excluídos. Entre os mais importantes deles estão Viramundo, dirigido por Geraldo Sarno, e Memória do Cangaço, de Paulo Gil Soares. Ou ainda os documentários do Cinema Novo que, nas décadas de 60 e 70, levantaram variadas temáticas brasileiras com engajamento político e social, entre eles Integração Racial, de Paulo César Saraceni, Opinião Pública, de Arnaldo Jabor, e O País de São Saruê, de Vladimir Carvalho.

Porém, nas décadas de 80 e 90 e, principalmente, nos últimos anos, os documentários engajados começaram a sofrer desgastes, tanto os feitos no Brasil como os estrangeiros. Esse desgaste está relacionado a falta de originalidade, de pertinência e de capacidade de desenvolvimento da forma fílmica. Falta de originalidade nas temáticas abordadas, pois se repetem os discursos sobre as diferenças de classes, a vida dos excluídos, ou a exploração do homem pelo homem. Tomadas como se fossem algo novo e revelador, essas temáticas tornam-se pouco pertinentes por não mostrarem nada que não tenha sido esgotado e revirado anteriormente pelo próprio cinema e até pela imprensa em geral. Na maioria das vezes também não são filmes originais em suas características formais, não conseguem atribuir características de estilo que os tornem mais interessantes, são repetições de modelos e abordagens já exploradas ao extremo.

Hoje, o engajamento relevante é o que tem perspicácia e capacidade de reconhecer situações da sociedade que mereçam discussão, que precisem de destaque. Dar relevância não é sempre denunciar ou apontar o dedo para um "culpado". A denúncia é um artifício típico do engajamento sócio-político tradicional e, em alguns casos, pode até ser bem utilizada, mas quando ingênua, repetitiva e pouco inteligente, diminui o documentarismo ao papel de portador do óbvio ululante.

E a perspicácia está tanto na escolha do tema como na forma de abordá-lo. Em Santiago, o diretor João Moreira Salles (de Notícias de uma Guerra Particular) conseguiu produzir um discurso crítico com relação a si mesmo e à classe social a qual pertence, ao mesmo tempo em que aborda o tema de maneira muito inteligente ao retrabalhar filmagens feitas 10 anos antes do filme ser concluído. É um filme criativo na forma e muito instigante pela escolha do tema. Além de Salles, o Brasil é privilegiado pelos presentes trabalhos de Carlos Nader (Preto e Branco) e Sandra Kogut (de Um Passaporte Húngaro), que com suas propostas e percepções do mundo, mostraram que novas questões e novas formas são vitais para renovação e manutenção do bom documentarismo.

Eduardo Baggio é documentarista, graduado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Paraná e mestre em Comunicação e Linguagens pela Universidade Tuiuti do Paraná. É professor da Universidade Tuiuti do Paraná, do Centro Universitário Positivo e da Faculdade de Artes do Paraná.

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